07 de Maio de 2020

"Buscando a presença do Senhor em tempos de Covid-19"

Querido povo de Deus, estamos vivendo um tempo difícil, em meio a pandemia do novo coronavírus que nos leva a um necessário isolamento social e, por isso, fomos forçados a vivenciar centralidade de nossa fé, que é a Eucaristia, de modos alternativos, entre eles a internet.

Quero propor uma breve reflexão sobre este ato de receber Jesus na Eucaristia, ou seja, sacramentalmente, e o modo de recebê-lo espiritualmente.

O Papa Francisco, celebrando missa na capela Santa Marta, sozinho, exortou os fiéis para que rezassem com ele mesmo sem estar fisicamente presentes e que fizessem a “comunhão espiritual”. O Santo Padre escolheu uma das fórmulas tradicionais ensinadas por bons mestres espirituais do povo cristão. Fórmulas que eram familiares a muitas das nossas mães e das nossas avós, aquelas que frequentemente iam a missa de manhã e queriam manter-se em comunhão com Deus o tempo todo.

A “Comunhão Espiritual”, como nos apresenta o Concílio de Trento, é compreendida como um ato de se alimentar do Pão do Céu somente como um ato de desejo, por meio de uma fé viva (cf. Dz 1648)[1]. A esse respeito, assim dizia Santa Teresa de Ávila, mestra de oração e doutora da Igreja: “quando não comungardes, filhas, e ouvirdes missa, podeis comungar espiritualmente, o que traz enorme proveito, fazendo depois o recolhimento, para que se imprima profundamente em vossa alma o amor desse Senhor”[2]. Deste modo podemos ver a importância de um desejo, de uma motivação interior que nos impele em direção a Nosso Senhor.

O Isolamento Social que vivemos nos faz pensar também na “comunhão de vida”, uma vez que a “Eucaristia cria a comunhão e educa para a comunhão”[3]. A família reunida como Igreja doméstica é convidada a participar da celebração eucarística pelos meios de comunicação e, em especial, junto a sua comunidade via internet. Ao rezarem juntos, as pessoas em casa vivem, assim, aquela outra rica compreensão de comunhão em que o próprio Jesus afirma: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali EU ESTOU no meio deles” (Mt 18,20). Esta presença também é real.

São João Evangelista deixa claro que Jesus Cristo é a Palavra do Pai, o Verbo Eterno que se encarnou e fez morada em nosso meio (Jo 1,14). Ele está na Palavra que é proclamada e ouvida. Ele é a Palavra. Ele é presente no meio de nós. Como disse, por analogia, nosso Papa emérito Bento XVI: “A proclamação da Palavra de Deus na celebração comporta reconhecer que é o próprio Cristo que Se faz presente e Se dirige a nós para ser acolhido”[4].

Por muito tempo eu ouvi um canto de despedido no final da Santa Missa: “A missa terminou começou nossa missão...”. Jesus quando fala do julgamento final, sua palavra é muito incisiva: EU tive fome, EU era estrangeiro, EU estava doente, EU estava preso… “Cada vez que fizestes isso a um dos meus irmãos mais pequeninos, a MIM o fizestes” (Mt 25,31-40). Jesus não fez uma comparação: É como se fosse… Ele diz claramente ‘eu’, ‘a mim’. Ele está presente na (o) irmã (o) que encontramos. A isto o Catecismo da Igreja Católica se refere como a “Comunhão da Caridade”, onde a caridade é uma fonte que irradia em benefício de todos os homens[5]. Por esta via também entramos em profunda comunhão com o Senhor.

Deus tem suscitado no coração dos fiéis diversos modos para se alimentar espiritualmente neste tempo árido e difícil. O nosso Santo Padre tem elogiado muito o modo como as pessoas, em suas casas, tem buscado sustentar a fé. Mas o Papa também tem se atentado para que não se perca de vista o sentimento de fé e de pertença a Igreja. Assim ele afirmou: “pode torna-se uma familiaridade – digamos – gnóstica, uma familiaridade separada do povo de Deus. A familiaridade dos apóstolos com o Senhor era sempre comunitária, se dava sempre à mesa, sinal de comunidade. Sempre era com o Sacramento, com o pão”[6].

O Papa São Paulo VI em sua Encíclica Mysterium Fidei afirma que a presença de Jesus na Eucaristia é chamada de “real”, não porque as outras presenças, entre as quais algumas apresentamos acima, não fossem “reais”, mas porque essa é substancial[7]. É certo que essa presença “morigera os costumes, alimenta as virtudes, consola os aflitos, fortifica os fracos”[8], mas não podemos reduzir esta presença a um mero objeto mágico, alienante, um instrumento “milagreiro”. Que Jesus na Eucaristia seja sim adorado, mas que Ele seja o alimento que nos fortalece na caminhada, nos inspire a lutar por um mundo mais justo e fraterno e nos impulsione a vivermos em comunhão com Ele com nossos irmãos.

Dom Bruno Elizeu Versari

Bispo diocesano

COMUNHÃO ESPIRITUAL abril 2020

[1] Denzinger, 1648.

[2] Santa Teresa de Ávila, Caminho de Perfeição, 35,1.

[3] João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, 40.

[4] Bento XVI, Verbum Domini, 56.

[5] Catecismo da Igreja Católica, 953.

[6] Papa Francisco, Homilia na Casa Santa Marta, 17 abril 2020. In acidigital.com

[7] Paulo VI, Mysterium Fidei, 41.

[8] Paulo VI, Mysterium Fidei, 69.