A Maternidade divina de Maria é um dos Dogmas mais belos da Igreja! Fala de Maria, mas é fundamentalmente, cristológico. Em outras palavras, afirma-se com toda força e fé que ela gerou ‘um que é Deus’ e, tão somente por essa mesma afirmação, cremos com mais vigor na encarnação, na ‘humanização do nosso Deus’. Quando falamos em Dogma, tratamos de uma verdade de fé que se apoia na vida, na Escritura e na tradição eclesial. O Dogma pode ser entendido como uma janela – e daí nos perguntamos: qual a função de uma janela? E a resposta é clara: arejar um ambiente, deixar luz entrar ou ainda permitir que vejamos além de onde estamos! Assim acontece com os Dogmas da Igreja, sobretudo com os que tocam diretamente a vida e a vocação de Maria.
O ‘Dogma escriturado’
A Palavra de Deus contém diversas passagens que afirmam o papel de Maria na geração humana de Jesus Cristo e isso para nós não é motivo de problemas. Além disso, vale destacar que nem para muitos dos cristãos protestantes, tais como Luteranos, Anglicanos ou ainda os da Tradição Ortodoxa, há problemas nessa definição de fé da parte Católica. Maria é a Mãe de Jesus, a Mãe que deu seu sim e se fez Serva do Senhor (cf. Lc 1,38). Quando lemos no Evangelho segundo Lucas, especialmente quando é narrado o encontro entre Isabel e Maria – que, na verdade, é o encontro entre o precursor e o Messias – temos: “Como posso merecer que me venha visitar a Mãe do meu Senhor?” (Lc 1,43). Aqui reside um detalhe muito bem guardado pelos redatores do Evangelho, afinal, Maria é saudada como Mãe do Senhor! Este encontro causou tão grande júbilo na pessoa de Isabel que seu ventre ‘salta de alegria’ (cf. Lc 1,44), o que a faz render graças a Deus e a louvá-lo; ‘Saltar’ na Escritura tem sentido messiânico, ou seja, veio até nós o Messias prometido, profetizado e agora humanado! Desta forma, podemos dizer que, pela voz de Maria, Isabel ouve seu ventre e acolhe, também, a Palavra encarnada.
O ‘Dogma proclamado’
A Escritura, que sai da vida para voltar e fecundar a própria vida, transbordou e fez com que a Igreja aclamasse esta verdade como sendo de fé. O Dogma nasce, como dito, no seio de uma discussão ferrenha nos auges do Concílio de Éfeso, no ano de 431, onde a Igreja, embora já com alguns séculos de caminhada, ainda amadurecia muito de sua fé, concordando ou discordando de determinadas afirmações que poderiam colocar pontos cruciais em jogo.
Uma questão fortemente levantada é resumida da seguinte forma: como Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, pode conciliar em si duas dimensões (divina e humana) tão distintas? Nesse aspecto, surgem duas personagens importantes: o Patriarca de Constantinopla Nestório e o Patriarca de Alexandria Cirilo, dois grandes teólogos que, corajosamente, expuseram suas ideias. Nestório afirmava que Maria poderia ser denominada e aclamada somente como Christotókos, ou seja, a Mãe de Cristo, do Homem Jesus, o que colocaria a maternidade de Maria somente em um plano humano, terreno e carnal. Esta posição, contudo, não agradou a Cirilo que, por sua vez, afirmou que a natureza divina também ‘cresceu’ juntamente com a humana, sendo ambas, embora distintas, correlacionadas e intimamente ligadas. Vale uma citação de uma de suas cartas que foram acolhidas pelo Concílio de Éfeso, ajudando a Igreja em seu discernimento dogmático: “As naturezas (humana e divina) se juntam em verdadeira unidade, e de ambas resulta um só Cristo e Filho [...]. Pois não nasceu primeiramente um homem comum, da Santa Virgem, e depois desceu sobre Ele o Verbo de Deus. Mas sim, unido desde o seio materno, se diz que se submeteu ao nascimento carnal [...]. Desta maneira, os santos padres não tiveram receio de chamar ‘Mãe de Deus’ à Santa Virgem Maria” (DS 251). Este é um dos detalhes que nos ajudam a compreender como a Igreja entende Maria, Mãe de Deus. Diante disso, a Igreja afirma: “[...] Aconteceu, de fato, a união das duas naturezas, e por isso nós confessamos um só Cristo, um só Filho e Senhor. [...] Confessamos a Santa Virgem deípara (parturiente de Deus) [...]”. (DS 272).
O ‘Dogma celebrado’
A vida cristã é celebração! Celebramos em nossa fé o Mistério Pascal de Cristo! No decorrer do caminho esta celebração encontra expressão na vida comunitária, na vida dos Santos e, de modo mais excelente, na vida de Maria.
A partir desta proclamação dogmática de Éfeso, o culto mariano expandiu-se por toda a Igreja Católica, sobretudo no Ocidente e todos passaram a venerá-la dignamente com esta aclamação, afinal, a dignidade de ser a Mãe de Deus é única: Ela é Mãe de Jesus, segunda pessoa da Santíssima Trindade, o Deus-encarnado que veio ao encontro da humanidade na plenitude dos tempos e revelou a todos o ‘rosto humano de Deus’. O Dogma da Maternidade divina de Maria é a mais antiga celebração marial da Igreja romana, o que data entre os anos 550-595 e é celebrada no dia 1º de janeiro ainda dentro do tempo da Oitava do Natal, o que aponta mais uma vez para a dignidade desta maternidade. Além da celebração solene acima citada, deve-se lembrar que há uma multiplicidade de hinos, orações antigas, poesias, louvores, bem como uma vasta gama de textos eucológicos (antífonas, prefácios, orações litúrgicas, etc.) que tem sua fonte neste Dogma e o torna celebração na vida das nossas comunidades.
E por que não trazer o Dogma poetizado?
“Para não ser só Deus,
Deus precisou de ti.
Tua carne fez dele um Homem!
E Tu disseste sim,
Para não ser menina somente!
Para não ser só vida,
Deus precisou de Ti,
A carne que te leva à morte.
E Tu disseste sim,
Para não ser mãe somente!
E para ser Vida Eterna,
Deus precisou de Ti,
A carne que ressuscita.
E Tu disseste sim,
Para não ser tempo somente!
Dizer teu nome, Maria,
É dizer que todo nome
Pode ser cheio de graça!
Dizer teu nome, Maria,
É dizer-te toda Tua,
Causa da nossa alegria!
Dizer teu nome, Maria,
É dizer que todo nome
Pode ser cheio de graça.
Dizer teu nome, Maria,
Maria de nossa Libertação!
Foi difícil escolher, mas soubeste fazê-lo!
(D. Pedro Casaldáliga)
Pe. Danilo Cardoso Fuzatto, SCJ - Religioso Presbítero, formador do Seminário Propedêutico dos Dehonianos – Terra Boa-PR