DIOCESE VACANTE, AMBRÓSIO ELEITO!

07 de Outubro de 2024

"DIOCESE VACANTE, AMBRÓSIO ELEITO!"

Quando o bispo de Milão, Auxêncio, morreu, Ambrósio era o governador da região. Ambrósio nasceu por volta de 340 e morreu em 04 de abril de 397, um Sábado Santo. Fazia parte da nobreza romana e tinha tido uma sólida formação humana e intelectual. Pela função que ocupava, compareceu à eleição do novo bispo. Os fiéis, no entanto, estavam divididos entre arianos e nicenos (modos diferentes de compreender a pessoa do Filho; o arianismo será tido como uma heresia). Naquele momento, o bispo era eleito pelos fiéis. Frente a divisão da comunidade cristã, Ambrósio fez algumas intervenções tão sábias e ponderadas que acabaram o elegendo para seu bispo. Ele era ainda catecúmeno. A princípio, resistiu em aceitar. Por fim, entendeu que essa era a missão que Deus lhe confiava. Deixou a carreira política, doou seus bens aos pobres e recebeu o batismo em um domingo e, no seguinte, o episcopado (em 03 de dezembro de 374). Viveu de tal modo o episcopado que será para sempre uma referência. A história de Ambrósio nos dá a oportunidade de refletir sobre o episcopado.

O termo que usamos – bispo ou epíscopo, daí episcopado - corresponde ao do Novo Testamento Epíscopo, que significa “vigilante”, “supervisor”. No grego clássico, o termo era usado para indicar fiscais, administradores municipais e os vigilantes do templo. Na tradução grega do Antigo Testamento, o termo foi usado para traduzir palavras hebraicas que indicam oficiais militares, fiscais do trabalho de operários, vigilantes do templo, oficiais das tribos. O apostolado é considerado como uma função do episkopo e a função de epíscopo, uma “boa obra” ou “obra importante” (1Tm 3,1). Dirigindo-se aos “anciãos” de Éfeso, Paulo os chama de “epíscopos” (At 20,17), estabelecidos pelo Espírito Santo para apascentar a Igreja da qual são pastores (At 20,28).

Podemos encontrar as qualidades de um epíscopo enumeradas em 1Tm 3, 1-8; Tt 1, 6-9. Em geral, se diz que ele deva ser irrepreensível, esposo de uma única mulher (ou, como traduz a Bíblia do Peregrino: “fiel à sua mulher”), ajuizado, equilibrado, educado, hospitaleiro, capaz de ensinar, não dado a bebida, nem briguento, mas indulgente, pacífico e sem interesse por dinheiro; saiba dirigir a própria casa, tenha espírito de liderança e saiba exercer sua autoridade (“cujos filhos lhe obedeçam”), maduro na fé (“não seja recém-convertido”), tenha boa fama. A Igreja entende que os bispos sejam os legítimos sucessores dos apóstolos:

“Esta missão divina confiada por Cristo aos Apóstolos deverá durar até ao fim dos séculos (cf. Mt 28,20), já que o Evangelho que eles devem transmitir é para a Igreja em todos os tempos a fonte de toda vida. Por esta razão, os Apóstolos cuidaram de instituir sucessores nesta sociedade hierarquicamente ordenada (...) Os bispos, pois, com seus auxiliares presbíteros e diáconos, receberam o encargo de servir a comunidade, presidindo no lugar de Deus ao rebanho ao qual são pastores, como mestres da doutrina, sacerdotes do culto sagrado, ministros do governo. (...) Portanto, ensina o Sagrado Sínodo que os Bispos, por instituição divina, sucederam aos Apóstolos como pastores da Igreja, e quem os ouve ouve a Cristo, mas quem os despreza despreza a Cristo e Aquele que a Cristo enviou (cf. Lc 10,16)” (Concílio Vaticano II, Lumen Gentium, 20, daqui por diante: LG).

Isto não significa que cada bispo seja sucessor de um determinado apóstolo. É o colégio dos bispos, ou seja, o grupo dos bispos, que é sucessor do colégio dos apóstolos, ou seja, do grupo dos apóstolos. E cada bispo é um legítimo sucessor dos apóstolos enquanto faz parte do episcopado universal da Igreja. Isso torna compreensível também a pessoa do papa, aquele que tem o primado no interior do colégio episcopal e, como Pedro, recebe uma missão especial no interior desse colégio: servi-lo com aquele espírito evangélico com que Cristo se fez servo de todos.

Embora não encontremos no Novo Testamento a figura do episcopado hierárquico, onde cada Igreja é governada por um único epíscopo, e a razão disso talvez seja porque cada Igreja ficasse sob a responsabilidade do apóstolo que a fundou, muito cedo na história encontramos esse modo de realizar o episcopado, onde os bispos vão sucedendo aos apóstolos. Santo Irineu de Lião, que viveu no segundo século, nos dá um testemunho importante em seu escrito Contra as Heresias: “Poderíamos enumerar aqui os bispos que foram estabelecidos nas Igrejas pelos apóstolos e seus sucessores até nós...” III, 3,1).

O episcopado se apresenta então como a plenitude do sacramento da ordem. Como os apóstolos receberam do Senhor a efusão do Espírito Santo (At 1,8; 2,4; Jo 20, 22-23) e a transmitiram aos seus colaboradores (1Tm 4,14; 2Tm 1, 6-7), assim aqueles que são sagrados epíscopos recebem pela imposição das mãos este dom espiritual. Este é o motivo pelo qual a celebração de sagração de um novo bispo deva ter presente vários bispos, que representem o colégio episcopal no qual ele é acolhido. Esta sagração episcopal confere o múnus de santificar, reger e ensinar

Afirmar que o episcopado é um sacramento significa dizer que não é uma mera delegação do papa, mas sim que recebe diretamente de Cristo a plenitude de seus poderes, que no espírito evangélico, deverão ser entendidos como serviço. A presença de um bispo à frente de uma porção do povo de Deus faz com que ali se realize a Igreja de Cristo: é totalmente Igreja, embora não seja a Igreja em sua totalidade ou universalidade.  Recebe, por isso, o título de Igreja Local ou Particular: “os bispos individualmente são o visível princípio e fundamento da unidade nas suas Igrejas particulares” (LG 22).

Tendo em vista o que foi exposto até aqui, fica fácil compreender a definição comumente dada ao bispo: “Chamam-se bispos os que detêm o ministério ou cargo querido e fundado por Cristo na Sua Igreja e que, por direito divino pertença ao colégio episcopal, dirigem uma Igreja local, a sua diocese, como representativa da Igreja universal” (J. M. Castillo).

O primeiro múnus do episcopado (ou seja, função, serviço em favor do povo de Deus) é ensinar: juntamente com os presbíteros, ordenados por eles para serem seus colaboradores, têm como primeira tarefa anunciar o Evangelho de Deus a todos os homens. Pelo múnus de santificar, o bispo tem “a responsabilidade de ministrar a graça do sacerdócio supremo” (LG 26), particularmente na Eucaristia, que é o centro da vida da Igreja particular. Santifica sua Igreja pela sua oração e seu trabalho, pelo ministério da palavra e dos sacramentos. São, nesse sentido, “modelos do rebanho” (1Pd 5,3). E pelo múnus de reger, cabe ao bispo o governo de sua Igreja Particular, “com conselhos, exortações e exemplos, mas também com autoridade e com poder sagrado” (LG 27). Autoridade que deve ser vivida segundo o modelo do Bom Pastor.

Sendo o episcopado a plenitude da Ordem, cabe de modo eminente a eles o que o Concílio pede dos presbíteros: os presbíteros (e, portanto, os bispos), no mundo, devem viver com os demais homens como irmãos, como fez Jesus e os apóstolos. Por sua ordenação, foram como que segregados do meio do povo de Deus, mas não separados, “mas para se consagrarem totalmente à obra para a qual o Senhor os assume”. Devem conhecer bem a vida do povo, mas não se conformarem com “este século”. Para realizarem a missão de bons pastores, “muito contribuem as qualidades que gozam de merecida estima na convivência humana, como sejam, a bondade de coração, a sinceridade, a coragem e constância, o cultivo vigilante da justiça, a delicadeza, e outras que o apóstolo Paulo recomenda quando diz: ‘tudo que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, honroso, tudo que pode haver de bom na virtude e no louvor humanos, eis o que haveis de pensar’ (Fl 4,8)” (Concílio Vaticano II, Presbyterorum Ordinis, n.2).


Artigo de Padre Belini, colunista do Jornal Servindo