No momento em que estamos mobilizados pela Iniciação à Vida Cristã de Adultos surge a pergunta sobre os recém-nascidos e crianças. Não podemos nos empenhar na Iniciação dos adultos e ao mesmo tempo mantermos as mesmas práticas com os menores. Vale a pena dar uma olhada, ainda que breve, sobre essa questão no catecumenato antigo.
O primeiro testemunho com clareza sobre o batismo de crianças, nós o encontramos em Tertuliano, pelo ano 200, mas que se refere a uma prática já costumeira na Igreja da África, embora sua interpretação esteja longe de ser consensual. Tertuliano era rigorista e perfeccionista, o que fará com que posteriormente se afaste da Igreja, assumindo uma postura herética. Em sua obra O Batismo, Tertuliano propõem que se retarde o batismo de crianças até que possam por si mesmas conhecerem a Cristo e pedirem o batismo:
“Todo o pedido pode decepcionar e ser decepcionado. Por isso. é preferível protelar o batismo conforme a condição, a disposição e também conforme a idade de cada qual, sobretudo quando se trata de crianças. É necessário, salvo necessidade absoluta, expor também os padrinhos ao risco de eles mesmos faltarem às suas promessas em caso de morte ou serem abusados por um mau caráter que vai se desenvolver? (...) Que se tornem cristãos quando forem capazes de conhecer a Cristo!” (Tertuliano. O Batismo XVIII,3-4.5).
Tertuliano parece recomendar que se deixe o batismo daqueles que não podem ainda o pedir por consciência e vontade própria até que o possam fazê-lo, a não ser em caso de perigo de morte. Neste texto aparece pela primeira vez a menção a “padrinhos”. Não contesta o valor do batismo para recém-nascidos ou crianças pequenas. Suas objeções são de caráter pastoral. Discussão que, com maior ou menor impacto, permanece até nossos dias.
Hipólito, em sua obra Tradição Apostólica, nos dá um testemunho da normalidade do batismo de crianças, inclusive bem pequenas, na Igreja de Roma, quase contemporâneo a Tertuliano. O texto de Hipólito é datado entre 215 e 225. Sobre a ordem na qual ocorrem os batizados, Hipólito escreve:
“Os baptizandi [os que irão receber o batismo] despirão suas roupas, batizando-se primeiro as crianças. Todos os que puderem falar por si mesmos, falem. Os pais, ou alguém da família, falem, porém, pelos que não puderem falar por si. Batizem-se depois os homens e finalmente as mulheres” (HIPÓLITO. Tradição Apostólica 44).
Os pelagianos foram os primeiros a negarem de fato o batismo de crianças. Pelágio e seus seguidores, entre outras questões, rejeitavam a doutrina do pecado original e a necessidade da graça para a observância salvífica da lei moral. Foram condenados e declarados heréticos pelo Concílio de Cartago, em 418. Contra eles e os donatistas, que negavam a validade do batismo feito por heréticos, irá reagir fortemente Agostinho, que, nesse embate, formulará a teologia do batismo que irá vigorar até nossos dias. Em suas obras, quando se refere a esta questão, Agostinho reconhece que o batismo de crianças é universal e tradicional. Para ele, o costume de batizar crianças procede já de um mandato de Jesus aos apóstolos (cf. AGOSTINHO. O castigo e o perdão dos pecados e o batismo das crianças I,26).
Sobre esta questão, se o batismo era concedido às crianças já no período apostólico (século I), no início do século XX aconteceu um intenso debate. Enquanto Karl Barth negava, Joachim Jeremias o afirmava. Atualmente, a postura mais aceita é a intermediária, ou seja, não se tem condições pelos documentos disponíveis nem para afirmar, nem para negar (GERHARD BARTH 1986, p.165). O certo é que o costume de batizar crianças começou muito cedo na Igreja, sobretudo em caso de perigo de morte, algo muito comum no mundo antigo, com altíssima taxa de mortalidade infantil. Agostinho menciona o desespero de pais que correm para a Igreja para o batismo de seu filho doente e que tem o sacerdote pronto para o batismo, mas que morre no caminho (Epístola 217,VI.19).
No mundo antigo, pré-moderno, os laços familiares são muito fortes e nesta família ampliada, necessária para a sobrevivência, com pouco espaço para a individualidade e liberdade, é comum que todos sigam o pai da família, o patriarca. Não é de estranhar que a Iniciação Cristã contemple mais as famílias do que propriamente indivíduos. Assim, as crianças da família participam do processo. E quando os pais, já fiéis, tem um novo filho, farão com ele o catecumenato quaresmal para o batismo. Novamente poderemos tomar Agostinho por exemplo. Quando se decide pelo batismo e dá seu nome, o faz também seu filho, Adeodato, então adolescente (Confissões IX,14).
As crianças e mesmo os recém-nascidos recebiam os sacramentos da Iniciação. Além do batismo e da crisma, também participavam da eucaristia, e o poderiam fazer todas as vezes em que participassem da celebração. Na verdade, era para eles inconcebível que alguém pudesse receber o batismo e não a eucaristia. Encontramos um testemunho a esse respeito novamente em Agostinho. Embora em outro lugar ele expresse sua perturbação pela possibilidade da condenação de crianças, por não terem pecados pessoais que o justifique, na obra que estamos trabalhando, expõe o preceito eucarístico que também as atinge. A partir de Jo 6,51-56, conclui: “Por isso a carne dada pela vida do mundo foi dada também em favor da vida das crianças; e nem mesmo elas terão a vida se não comerem a carne do Filho do homem” (AGOSTINHO. O castigo e o perdão dos pecados e o batismo das crianças I,27).
Do ponto de vista prático, não é tão simples. Em um Ritual do século XII encontramos a seguinte rubrica: “Se o bispo não estiver presente, receberão a comunhão das mãos do sacerdote. As crianças que ainda não podem comer nem beber, comungarão seja com uma folha, seja com um dedo mergulhado no Sangue do Senhor que será colocado em sua boca, enquanto o padre dirá: Corpus cum sanguine Domini nostri Iesu Christi custodiat te in vitam aeternam. Amen. Se são maiores, comungarão conforme o costume normal” (Ordo 50, n.29 Andrieu). Algumas Igrejas cristãs ainda procedem assim, como a Armênia.
Com a cristianização da sociedade, iniciada com Constantino, a proporção de adultos e crianças que se apresentam para o batismo se inverte progressivamente. Pelo fim do século VI, o batismo de crianças vai se generalizando e o de adultos se tornando cada vez mais raro. Este fato, unido ao aparecimento das igrejas paroquiais, irá provocar um conjunto de transformações no catecumenato, pondo fim àquela experiência que até aqui comentamos.
A confirmação será desvinculada do batismo, ficando restrita ao bispo que a administrará quando visitar a paróquia. Não fará mais sentido uma longa preparação do batizando. Mesmo os escrutínios serão substituídos por exorcismos. Irá vigorar a orientação de batizar o “quanto antes”, de preferência, logo ao nascer. Por comodidade e segurança, a piscina será substituída pela pia batismal e o batismo, ao invés do mergulho, será por infusão, ou seja, se derramará água na cabeça do batizando. Ganhará destaque o papel dos pais e padrinhos. A partir do século IX, o cálice, por excesso de zelo, começará a ser tirado dos fiéis, ficando reservado para o presidente da celebração. O que vai inviabilizando também a comunhão das crianças menores. No início do século XIII, um Sínodo em Paris, proíbe a comunhão de crianças. Disposição que foi fortalecida pelo Concílio de Latrão, em 1215. A primeira comunhão ficará reservada para quando a criança atingir a “idade da razão”, que era interpretada por uns os 7 anos, e por outros, aos 12, ou ainda mais tarde.
Artigo do Pe. Luiz Antonio Belini, colunista do Jornal Servindo