Batismo: os ritos complementares e a entrega da vela acesa

15 de Abril de 2024

"Batismo: os ritos complementares e a entrega da vela acesa"

Os ritos que se celebram após o batismo propriamente dito são complexos e muito variados no período em que estamos trabalhando, sobretudo nos séculos IV e V. Além da profunda diferença entre as culturas e Igrejas Patriarcais, não sabemos determinar com exatidão quando um autor omite um rito voluntariamente, lembremos que havia uma disposição de manter em segredo os ritos frente aos não iniciados, ou por ele não existir de fato. Nos mantendo fiéis à documentação que temos, é possível dar uma ideia esquemática desta variedade e de quais ritos se trata:

Tertuliano (unção, assinalação com o sinal da cruz, imposição da mão); Cirilo de Jerusalém (unção crismal na fronte, orelhas, nariz e peito, feitas pelo bispo); Teodoro de Mopsuéstia (assinalação da fronte pelo bispo e veste branca); Basílio de Cesareia (unção crismal); Gregório de Nazianzo (unção crismal, veste branca e vela acesa); Proclo de Constantinopla (veste branca e vela acesa); Ambrósio de Milão (imposição da mão, unção crismal, ambas pelo bispo; lava-pés e veste branca) e, por fim, Agostinho (unção crismal na fronte em forma de cruz, imposição da mão com invocação do Espírito, ambas feitas pelo bispo; veste branca e lava-pés).

No Servindo do mês passado escrevi sobre a veste branca. Era um rito quase natural, já que eram batizados nus e deviam se vestir ao sair da piscina batismal. A cor branca tinha um simbolismo consolidado. Este rito era, portanto, generalizado. O mesmo não se dava com a entrega da vela acesa. Entre os nossos testemunhos, só se realizava na Igreja de Constantinopla. Como este rito acontece ainda hoje e pela importância que tem, vamos nos dedicar a ele.

Duas observações iniciais. Precisamos ser conscientes de que nossa experiência frente a uma vela acesa é diferente daquela de uma pessoa do mundo antigo. Para eles, era a fonte de claridade usual e necessária. Nós fazemos uma experiência, digamos, negativa, da vela. Estamos acostumados a uma claridade artificial com a lâmpada elétrica que possibilita vivermos a noite como se fosse dia. Em geral, acendemos uma vela quando nos falta a energia e a luz que ela produz é paliativa, muito longe da que temos usualmente. Esperamos ansiosos o retorno da claridade elétrica. Em nossas Igrejas acendemos velas, mas elas são simbólicas, não visam produzir claridade. A segunda observação é quanto a ocasião privilegiada para o batismo: a vigília pascal. Basta nos lembrarmos de todo o rito que acontece em torno do Círio Pascal. Com ele se abençoa a água da piscina batismal e é nele que se acende a vela a ser entregue para o neófito, o que acabou de renascer pelo batismo.

Todos os povos e religiões construíram uma rica simbologia a partir da luz/claridade. Com o cristianismo não seria diferente. Quando Jesus inicia sua missão, o Evangelho de Mateus afirma: “O povo que vivia nas trevas viu uma grande luz; e uma luz brilhou para os que viviam na região escura da morte” (Mt 4,16). São inúmeras as passagens evangélicas em que Jesus se compara ou é comparado à luz: “Jesus continuou dizendo: ‘Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas possuirá a luz da vida’” (Jo 8,12; ver ainda: Jo 1,9-14). Jesus afirma que os que o seguem também serão luz para o mundo: “Vocês são a luz do mundo. (...) que a luz de vocês brilhe diante dos homens, para que eles vejam as boas obras que vocês fazem, e louvem o Pai de vocês que está no céu” (Mt 5,14.16).

No período apostólico, o batismo será compreendido como uma passagem das trevas à luz. Em contexto batismal, o texto determinante o encontramos em Ef 5,6-14. Somos “filhos da luz” (v.8; também 1Ts 5,5) e assim devemos nos comportar. Passamos da morte para a vida, fomos “iluminados” por Cristo (v.14). A Carta aos Hebreus se refere aos batizados como “iluminados” (Hb 6,4; 10,32). Paulo ensina que Cristo comunica aos crentes a luz divina que nos “arrancou do poder das trevas” (Col 1,13).

É compreensível neste contexto que o batismo, entre vários nomes possíveis, seja denominado “iluminação”, e o batizado, “iluminado”. Indicando com isto que os batizados renasceram pela água e pelo Espírito, da morte para a vida; passaram das trevas para a luz. É Jesus a quem seguem que ilumina seu caminho.

O primeiro documento que o menciona é a I Apologia de Justino: “Esse banho [batismo] chama-se iluminação, para dar a entender que são iluminados os que aprendem estas coisas” (61,12). Justino deve ter escrito por volta do ano 155. Tudo leva a crer, no entanto, que já fosse uma fórmula usual. Esta terminologia estará presente nos padres da Igreja nos séculos seguintes.

Que a luz faça parte da celebração batismal, depois de tudo isso, parece muito natural. E, no entanto, um rito específico, como o rito da entrega de uma vela acesa para o que acabou de ser batizado, só é relatado pela primeira vez no século IV, com Gregório de Nazianzo (entre 329/339-390), bispo de Constantinopla por alguns anos, depois de 381. É desse período sua afirmação quanto ao uso da vela entre os iniciados na vigília pascal, rito que ele sempre liga à veste branca. Em um discurso para o dia da Páscoa, escreve:

“Como foi bela a cerimônia de ontem, quando trajamos vestes esplêndidas e lâmpadas acesas. Nós celebramos em privado e em público, todas as pessoas, das mais simples aos dignitários. Iluminamos a noite com uma abundante luz” (Or. 45; PG 36, 624). E em uma cerimônia para o batismo por ocasião da Epifania do Senhor, dia da “luz” por excelência, volta ao tema: “A vigília, durante a qual, imediatamente após o batismo, estareis diante dos altos degraus, prefigura a glória que está por vir. A salmodia que vos acolherá é o prelúdio dos futuros hinos. A lâmpada que acendereis simboliza o mistério da procissão luminosa que vos levareis ao encontro do Noivo com uma alma brilhante e virginal, e a luz da nossa lâmpada será a nossa fé” (Or. 45; PG 36, 425).

Gregório está descrevendo o rito de iniciação (os “altos degraus” é a chegada na Abside da sala onde de celebra a eucaristia); dá uma conotação escatológica e interpreta o batismo como núpcias místicas da alma com Cristo. Lembra-nos da parábola das dez virgens (Mt 25,1-13) que alude à lâmpada acesa e a relaciona com aquela da veste nupcial (Mt 22,11-13). Proclo (morto em 446), patriarca de Constantinopla a partir de 434, confirma e enriquece as informações de Gregório. Através dele, sabemos que o Salmo cantado neste translado do batistério para o local da eucaristia, era o 32 (ou 31 conforme a tradução): Feliz aquele a quem Deus perdoou seus pecados.

O rito tal como o temos, da entrega da vela acesa para os padrinhos no caso do batismo de crianças ou através deles para os que estão recebendo sua iniciação sacramental, apareceu na Gália no século XI e, já no século XII, um Pontifical o atesta em Roma.

O RICA apresenta assim o rito: após os padrinhos ou madrinhas acenderem as velas no Círio Pascal e entregarem para o afilhado/a, quem preside diz: “Deus tornou vocês luz em Cristo. Caminhem sempre como filhos da luz, para que, perseverando na fé, possam ir ao encontro do Senhor com todos os Santos no reino celeste” (n.226). Sintetiza perfeitamente o significado do rito.

Como no caso da veste branca, também este rito precisa ser melhor preparado e celebrado. É feito muitas vezes de forma artificial nas celebrações de batismo de crianças e praticamente banido das crismas. Valeria a pena uma catequese sobre a “luz” com inspiração bíblica. Nossa sociedade discute atualmente com muito interesse as Fake News, as notícias falsas, que são divulgadas pelas redes sociais. Vivemos um período de pluralismo e incertezas que desconcertam muitos cristãos. É preciso redescobrir o sentido de sermos “filhos da luz” e da verdade!


Artigo do Pe. Luiz Antonio Belini, colunista do Jornal Servindo


foto: Cristian Gennari / fonte: www.diocesidiroma.it