A água é um elemento fundamental da natureza. Tales de Mileto, que viveu aproximadamente de 624 a 546 a.C, considerado o primeiro filósofo, fez da água o elemento primordial de tudo, ou seja, a água estava na origem e sustentação de todos os seres. Entre nós, a crise ecológica é uma crise envolta na questão da água. Com as tecnologias mais avançadas, busca-se sinais de água em outros planetas.
A água sempre estimulou o imaginário de todos os povos. A mitologia a tem como protagonista em inúmeros mitos. As duas obras literárias que marcaram a cultura ocidental narram epopeias em torno da água: Ulisses tentando voltar para casa na Odisseia de Homero e o Antigo Testamento com a criação, o dilúvio, a passagem do Mar Vermelho e o Jordão, entre outros.
Para o batismo, a água sugere naturalmente uma rica simbologia. Três são as principais: a água como símbolo de vida, de morte e de purificação. Em coerência com a universalidade do elemento água, esta simbologia também será universal. Faz parte de todos os povos e de sua religiosidade. O batismo cristão foi influenciado em sua origem pelo contexto cultural e cultual do judaísmo contemporâneo a Jesus. Particularmente ao batismo praticado no grupo de João Batista, do qual fez parte o próprio Senhor Jesus no início de seu ministério e alguns de seus discípulos.
“O batismo de Jesus desempenhará um papel determinante e permanecerá o modelo do batismo cristão” (G-H. Baudry).
É preciso, contudo, deixar claro desde o início: quando falamos em batismo não é a água que está em primeiro lugar, mas a ação executada com a água. Batismo, batizar, indica a ação de imergir, mergulhar, afundar na água.
Temos pouca informação de como batizava João Batista. Deveria se inserir na categoria dos banhos de purificação ou das simples abluções tão em voga no judaísmo. Contemplava certamente duas ações: a ação do candidato que descia à água e a ação do batizador que o imergia. No caso de João Batista, contudo, não se tratava de qualquer água, mas da água do Jordão, ou seja, de uma água corrente, uma “água viva”. Da parte de quem recebia o batismo após ouvir a exortação para uma mudança de vida, exprimia a conversão interior, a saída do pecado. Nesse sentido, é um batismo essencialmente de conversão (Mc 1,4; Lc 3,3). O simbolismo da água que lava, purifica, apaga é muito expressivo.
“Não se necessitam muitos argumentos, irmão queridíssimo, para provar que ao falar de água sempre se indica o batismo...” (Cipriano de Cartago, Cartas. 63,9)
Embora situado no sulco das tradições judaicas, o batismo praticado por João tem algumas especificidades: ele não se renova, como nos banhos cotidianos; existe um batizador, ninguém se batiza por si mesmo; marca a irrupção do juízo de Deus. Os cristãos manterão estas especificidades de João Batista. Além destes, dois aspectos que os cristãos manterão, nos interessam: o fato de João batizar com água viva e para o perdão dos pecados. A Igreja manterá esta profunda ligação entre o batismo e o perdão dos pecados. Após uma pregação de Pedro, os ouvintes angustiados perguntam o que devem fazer. Ao que Pedro responde: “Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo, para o perdão dos pecados...” (At 2,38). O Credo Niceno-Constantinopolitano o manteve: “Professo um só batismo para a remissão dos pecados”. Por volta do ano 200, Tertuliano, ao iniciar a obra que é para nós a primeira exclusivamente sobre o batismo, a apresenta assim: “A presente obra tratará do nosso sacramento da água, desta água que lava nossos pecados contraídos no tempo de nossa cegueira original e nos liberta para a vida eterna” (De Baptismo I,1). Daqui saiu o título desse artigo. E Tertuliano continua:
“A rigor poderá comparar-se o batismo a ato banal: os pecados nos mancham, a água nos lava. Contudo, os pecados não se tornam visíveis na carne, porque ninguém carrega sobre sua pele a mácula da idolatria, da prostituição ou da fraude. Mas, é o espirito que maculam, e esse é o autor do pecado. Pois, o espirito é o que comanda, a carne está a seu serviço. Contudo, ambos dividem entre si a culpa: o espirito porque manda, a carne porque executa o serviço. E como a intervenção do anjo deu às águas certo poder de salvar (Gn 5, 4), o espirito é lavado na água através do corpo, a carne é purificada pelo espírito.” (De Baptismo IV,5).
Este tema da água que lava os pecados é o mais central e comum na teologia batismal da Igreja antiga e permanecerá um dado essencial do batismo cristão. Mesmo quando Santo Agostinho desenvolver uma teologia do pecado original, afirmará que o batismo apaga ou perdoa os pecados pessoais e o pecado original.
De João, os cristãos também conservaram, ao menos no início, o costume de batizar em “água viva”, ou seja, em água corrente: fonte, rio ou mesmo mar. A Didaqué (7,1) e Justino (Apologia 61,3) o atestam. Mas por questões práticas e institucionais começou-se a considerar válida qualquer água. Respondendo às objeções dirigidas a ele sobre esta questão, Tertuliano escreveu:
“... não há diferença entre alguém que foi lavado no mar ou num açude, num rio ou numa fonte, num lago ou numa pia. Nem há diferença entre os que João batizou no Jordão e Pedro no Tibre. E o batismo do eunuco, que Felipe realizou em água encontrada fortuitamente pelo caminho (At 8, 36), não causou mais nem menos salvação.
Portanto, todas as espécies de água, em virtude da antiga prerrogativa de sua origem, participam do mistério de nossa santificação, pela invocação de Deus sobre elas. Feita a invocação, o espirito vem logo do céu e paira sobre as águas, santifica-as por sua presença e, assim santificadas, se impregnam do poder de santificar por si” (Tertuliano, De Baptismo IV 3-4).
Não obstante, a preferência deveria recair sempre sobre a água corrente. Mesmo quando se começou a construir um lugar apropriado para o batismo, o Batistério, sempre que possível, ele era munido de uma canalização que sugeria a água corrente. Quando o batismo de crianças se tornar o mais comum, a pia batismal será o recinto mais apropriado. É provável que este fato tenha provocado o surgimento da “bênção da água”, uma espécie de “compensação”. Esta bênção tinha a forma de um exorcismo, já que os povos antigos compartilhavam a crença popular da presença de espíritos maus na água.
A água viva traz também viventes: os peixes. O cristão que nasce da água batismal e que vive dessa, será naturalmente comparado a um peixe. Esta simbologia goza de uma longa tradição: Ez 47,1-10 e todos os relatos evangélicos que acontecem em torno da água, do peixe e da pesca. Logo surgirá o famoso acróstico ICHTHYS (pronuncia-se “ICTIS”), peixe em grego, mas que as letras iniciais indicam: JESUS CRISTO, FILHO DE DEUS, SALVADOR. O que permitirá a Tertuliano afirmar:
“Nós, os peixinhos segundo nosso ‘Ichthys’ Jesus Cristo, no qual nascemos e só somos salvos permanecendo na água” (Tertuliano, De Baptismo I,3)
O peixe será para os cristãos símbolo de vida e de fé na ressurreição. A partir do século IV se tornará também símbolo da Eucaristia.
Artigo do Pe. Luiz Antonio Belini, colunista do Jornal Servindo