Tendo renunciado a Satanás e suas obras, quem será batizado manifesta sua adesão a Cristo. A fórmula de adesão sintetiza, de certo modo, todo o conteúdo de nossa fé. Embora tenha seu lugar privilegiado na celebração do batismo, essa profissão de fé irá acompanhar o batizado por toda sua vida. Já tivemos oportunidade em artigos anteriores de escrever sobre isso, principalmente quando tratamos da Redditio Symboli, da “devolução do Símbolo”. Nos primeiros séculos, as Igrejas particulares tinham suas fórmulas próprias para manifestar essa adesão, embora tivessem um fundo comum nos elementos básicos. Nos séculos IV e V irá se impondo o que ficou conhecido como Credo Niceno-Constantinopolitano.
O modo de proceder ritualmente e sua simbologia pode variar entre as Igrejas. Já vimos Egéria descrevendo como realizavam em Jerusalém, passando diante do bispo e proclamando sua fé individualmente. Agostinho ao narrar a profissão de fé de Simpliciano em Roma afirma que ele o proclamou do presbitério diante de toda a comunidade reunida. Podemos ler a explicação dada por Cirilo em suas Catequeses Mistagógicas:
“Quando, então, renuncias a satanás, rompendo todo pacto com ele, quebras as velhas alianças com o inferno. Abre-se para ti o paraíso de Deus, que ele plantou para o lado do Oriente, donde por sua transgressão foi expulso nosso primeiro pai. Disto é símbolo o te voltares do Ocidente para o Oriente, lugar da luz. Então te foi ordenado que dissesses: «Creio no Pai e no Filho e no Espírito Santo e no único batismo de penitência». Disto vos falamos extensamente, nas catequeses anteriores, como no-lo permitiu a graça de Deus.” (I,9)
Teodoro de Mopsuéstia apresenta uma estrutura semelhante. Interessante é como descreve a posição corpórea de quem faz sua profissão de fé: “um joelho colocado na terra, olhando para o céu e as mãos estendidas” (Les Homélies XIII,1). Também na renúncia a Satanás se estendia as mãos. Mas para Teodoro, agora as mãos estendidas indicam súplica e não compromisso.
O voltar-se do Ocidente para o Oriente era um rito comum nas Igrejas dos primeiros séculos e seu significado foi sendo enriquecido. Na verdade, voltar-se para o Oriente para rezar era uma ação corriqueira. São Basílio inclui este costume entre os mais antigos, embora não escritos: “Que passagem da Escritura nos instruiu a nos voltarmos para o Oriente durante a oração?” (Tratado Sobre o Espírito Santo XXVII,66). As Igrejas serão planejadas de acordo com essa orientação e nas casas dos cristãos era comum que se pintassem na parede uma cruz para indicar a direção do Oriente. Pode ter sido essa a origem do costume dos cristãos de colocarem um crucifixo na parede das casas e edifícios. Costume que ganha relevos ainda mais fortes no momento do martírio. Perpétua conta uma visão em que após seu martírio e de seus companheiros “foram conduzidos em direção ao Oriente por quatro anjos” (La Passione di Perpetua e Felicità XI,2). Ambrósio comenta esse gesto. Como a renúncia a Satanás havia sido proferida como se estivesse diante dele, assim também a adesão a Cristo:
“Tendo entrado para discernir o teu inimigo, ao qual julgavas dever renunciar frontalmente, tu te voltas para o oriente, pois quem renuncia ao diabo, volta-se para Cristo e o olha diretamente na face” (Sobre os Mistérios II,7).
O simbolismo de voltar-se do Ocidente para o Oriente foi objeto de estudos e muita discussão. Os escritos dos primeiros séculos já mostram que passou por uma intensa reinterpretação. É provável que essas versões sejam mais complementares que excludentes. O homem pré-moderno tem uma relação com o sol mais forte que nós, modernos. O sol é luz, vida, energia. Mas também serve de orientação espacial, cronológica e climática. O sol nasce no Oriente e se põem no Ocidente. Facilmente se liga o Oriente com luz e o Ocidente com trevas. Nos evangelhos já encontramos algumas indicações. Mateus nos apresenta “magos” vindo do “oriente”, seguindo o astro ou estrela que lhes indicava o caminho, para adorarem o Menino Deus (Mt 2,1.9). Indicava também a vinda escatológica do Filho do Homem para a consumação de toda a criação: “Porque a vinda do Filho do Homem será como o relâmpago que sai do oriente e brilha até o ocidente” (Mt 24,27). E São João afirma que no mundo futuro, na Nova Jerusalém, “não lhes fará falta a luz do sol, porque o Senhor Deus os iluminará” (Ap 22,5).
Cristo é nosso verdadeiro sol. É nossa Luz! O próprio dia que os cristãos escolheram para celebrar o nascimento de Jesus, 25 de dezembro, no solstício de inverno, era no mundo antigo, politeísta, um dia dedicado ao deus sol. Não à toa, os cristãos foram acusados de, como os persas, adorarem o sol. Acusação à qual responde Tertuliano: “A origem de tal suspeita provém do fato notório de que nós oramos voltados para a região do Oriente. Mas também muitos de vós, mostrando algumas vezes veneração para com os astros, moveis os lábios voltados para o levante do sol” (El Apologético XVI,10). Esse aspecto escatológico fica evidente em Metódio de Olimpo, escrevendo sobre as virgens:
“Do alto dos céus, ó Virgens, o som de uma voz que acorda os mortos fez-se ouvir, em direção ao Esposo, ela grita, devemos nos dirigir com pressa, revestidas de nossas vestes brancas, nossas lâmpadas na mão, do lado do Oriente” (Symposium 11)
No século IV, com o auge do catecumenato e o desenvolvimento de uma teologia do batismo apropriada para as novas circunstâncias em que viviam os cristãos, o simbolismo da adesão a Cristo voltada para o Oriente liga-se aos temas paradisíacos. O Gênesis afirma: “Javé Deus plantou um jardim em Éden, no Oriente, e aí colocou o homem que havia modelado” (Gn 2,8). A primeira citação que fizemos, de Cirilo, deixa essa perspectiva em evidência. Assim como o pecado de Adão o colocou sob o domínio de Satanás e foi expulso do paraíso, pelo batismo somos regenerados para voltarmos ao paraíso pelo Novo Adão, Cristo. Este significado aparece já nas celebrações eucarísticas, ao professar a fé, como encontramos nas Constituições Apostólicas:
“Todos, estando de pé e voltados para o Oriente, após o envio dos catecúmenos, rezam a Deus ‘que subiu ao céu do céu ao Oriente’, lembrando-se da antiga morada do paraíso plantado ao Oriente, de onde foi expulso o primeiro homem por ter violado o preceito e seguido o conselho da serpente” (Les Costitutions Apostoliques II,57,14)
Após ter renunciado a Satanás e suas obras, a adesão a Cristo através da profissão de fé estabelece uma aliança com Cristo e um compromisso de pautar a vida segundo seu Evangelho. É também um evento comunitário e eclesial. O batismo introduz na família cristã tornando mais explícito a filiação divina: no Filho nos tornamos filhos.
O RICA, ao recuperar o catecumenato, valoriza os ritos e símbolos que possuem uma longa história para nossa fé. A adesão a Cristo feita pela profissão de fé deve ser solene e ao mesmo tempo significativa. Embora apresente algumas variações no modo como fazê-la, o conteúdo básico é o Credo Niceno. Nós, homens e mulheres modernos, corremos o risco do racionalismo e cientificismo, pronunciando o Credo de forma mecânica, habituados como estamos a ele em nossas celebrações dominicais. É preciso resgatar o envolvimento emocional que provocava nos catecúmenos dos primeiros séculos. Para isso, além da compreensão de seu conteúdo, seria interessante resgatar também alguns gestos que envolvem corporalmente e, por isso, a pessoa toda. Uma sugestão é a postura da Igreja de Mopsuéstia, como nos indicou Teodoro.
Artigo do Pe. Luiz Antonio Belini, colunista do Jornal Servindo