Nas missas dominicais costumamos professar nossa fé rezando o chamado Símbolo dos Apóstolos. De fato, ele é o mais comum em todo o ocidente. Mesmo Igrejas cristãs que nasceram da Reforma o tem com estima, como os luteranos, calvinistas e anglicanos. Embora, sem sombra de dúvidas, ele continua sendo mais importante para nós, católicos. Por rezá-lo sempre, o sabemos de memória.
Creio em Deus Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra.
E em Jesus cristo seu único Filho, nosso senhor, que foi concebido, pelo poder do Espírito Santo, nasceu da virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado. Desceu à mansão dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus; e está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso, donde há de vir a julgar os vivos e os mortos.
Creio no Espírito santo, na Santa Igreja Católica, na comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne e na vida eterna. Amém.
O título “Símbolo dos Apóstolos” é justificado por uma crença muito difundida no Ocidente cristão: teriam sido os próprios apóstolos, antes de se dispersarem pelo mundo para evangelizar, que o teriam composto. Cada um dos apóstolos teria dado sua contribuição. O Símbolo seria assim uma espécie de senha que permitiria que os cristãos fossem reconhecidos, razão do próprio nome, Símbolo.
Encontramos este título pela primeira vez na história em uma carta enviada pelo Sínodo de Milão, realizado em 390, ao papa Sirício (pontificado de 384 a 399). O bispo era Ambrósio. Provavelmente tenha sido ele quem redigiu a carta sinodal. Em todo caso, é um dos que a assinam. Mas o título e o próprio Símbolo atribuído aos apóstolos já deveria gozar de publicidade e autoridade.
Rufino de Aquileia escreveu o que para nós deve ser o primeiro comentário ao Símbolo no Ocidente, por volta de 404. Nele nos conta a origem deste Símbolo, hoje tido por história lendária, mas que nos transmite bem como as pessoas o interpretava. Segundo conta Rufino, os apóstolos, depois de receberem o Espírito Santo em Pentecostes, foram encarregados de saírem pelo mundo para proclamar a Palavra de Deus a todas as nações:
“Antes de partirem e separarem-se, estabeleceram uma norma comum de sua pregação para que não acontecesse que, ao afastar-se uns dos outros, expusessem algo diferente aos que convidavam a abraçar a fé em Cristo. Reunidos, pois, em um mesmo lugar e cheios do Espírito Santo, pondo em comum o que cada um sentia, compuseram este breve compêndio, como disse, de sua futura pregação, prescrevendo dar esta regra aos crentes.
Por muitos e justificados motivos quiseram denominá-lo ‘Símbolo’. Em grego, o vocábulo ‘símbolo’ significa indício e contribuição, ou seja, o que várias pessoas põem em comum. Isto fizeram precisamente os apóstolos naqueles discursos, pondo em comum o que cada um sentia” (Rufino de Aquileia, Comm. in symb. apost. 2)
Esta lenda em torno da origem do Símbolo dito “dos Apóstolos” vai crescendo em detalhes fantasiosos. Em um escrito datado com probabilidade do século VIII e falsamente atribuído a Agostinho, o Símbolo será fragmentado e posto na boca de cada apóstolo. Em Rufino, isso não aparecia, até porque a chamada “doutrina do arcano”, ou seja, a obrigação do segredo, proibia que se pusesse por escrito. Nesse escrito, no entanto, se lê:
“... o Senhor mandou sobre eles o Paráclito prometido. À sua vinda, eles foram todos inflamados como ferro incandescente, e, dotados do pleno conhecimento de todas as línguas, compuseram o credo. Pedro disse: ‘Creio em Deus Pai Onipotente... criador do céu e da terra’... André disse: ‘e em Jesus Cristo seu Filho... nosso único Senhor’... Tiago disse: ‘que foi concebido pelo Espírito Santo... nasceu da Virgem Maria’... João disse: ‘sofreu sob Pôncio Pilatos... foi crucificado morreu e foi sepultado’... Tomás disse: ‘desceu aos infernos... o terceiro dia ressuscitou da morte’... Tiago disse: ‘ascende ao céu... senta à direita de Deus Pai Onipotente’... Filipe disse: ‘de lá virá a julgar os vivos e os mortos’... Bartolomeu disse: ‘creio no Espírito Santo’... Mateus disse: ‘a Santa Igreja Católica... a Comunhão dos Santos’... Simão disse: ‘a remissão dos pedados’... Tadeu disse: ‘a ressurreição da carne’... Matias disse: ‘a vida eterna’ (Pseudo-Agostinho, Sermão 240)
Este texto, a despeito do aspecto lendário, deixou uma contribuição importante na história, o conteúdo do Credo. Nos famosos comentários dos séculos IV e V só era possível “entrevê-lo”.
As primeiras sérias dúvidas quanto a veracidade dessa narrativa edificante da origem do Símbolo aconteceu quando os bispos se reuniram para o Concílio de Florença em 1438-1445. Os bispos latinos apelaram para a autoridade deste Símbolo, mas os Orientais não o conheciam. O metropolita de Éfeso, Marco Eugênico, expressou com toda clareza o desconhecimento desse Símbolo no Oriente e a impossibilidade de sua derivação direta dos apóstolos, já que sendo verdadeira a história, deveria constar alguma referência no livro dos Atos dos Apóstolos, sobretudo quando do chamado Concílio de Jerusalém. Não demorou muito para que os novos ventos do Renascimento e da Reforma deixassem claro a origem lendária desta atribuição direta aos apóstolos. O que não compromete o valor desse Símbolo, como toda a tradição o prestigiou.
As pesquisas do último século chegaram a algumas conclusões razoavelmente seguras. A forma básica do Símbolo surgiu entre os séculos II e III. Seu contexto de origem é a prática batismal, muito provavelmente em Roma. Seu uso durante o catecumenato o fará passar do modo interrogativo ao declarativo. A maior parte da fórmula já está presente nas Tradições Apostólicas de Hipólito. Até o século III o encontramos na língua grega, usada pelos cristãos de Roma, mas já no IV século temos também o uso em versão latina. Seu uso foi se disseminando pelo Ocidente e, nesse processo, sofreu pequenas alterações, até que Carlos Magno, imperador, fez prevalecer em toda a Gália a forma que se tornou definitiva. É essa forma que irá ser aceita e usada também em Roma no século IX.
Os acréscimos mais importantes que devem ter ocorrido em relação à sua forma primitiva são: “Criador do céu e da terra”; “concebido pelo Espírito Santo, nascido da Virgem Maria”; a descida de Cristo aos infernos; a palavra “católica”, aplicada à Igreja; “comunhão dos santos” e “vida eterna”.
“Apesar de todas as limitações históricas, ele proporciona um permanente testemunho da fé outrora transmitida, um duradouro ponto de referência e orientação transmitido até nós pelos que nos precederam” (Alasdair Heron)
Embora não se possa afirma que tenham sido os apóstolos que o redigiram, como afirmava a lenda, o Símbolo continua sendo um documento da Igreja pós-apostólica da máxima importância. Ele continua contando com uma autoridade apostólica, já que a maioria de suas expressões procede do Novo Testamento. Ele nos transmite uma regra de fé que é herança das confissões de fé da Igreja dos Apóstolos. Sem dizer que é o único representante das antigas formulações ocidentais de credo ainda em uso corrente.
Artigo de Padre Belini, colunista do Jornal Servindo