A importância de um testemunho!

22 de Outubro de 2021

"A importância de um testemunho!"

Nos últimos três anos escrevi sobre a Iniciação Cristã. Foram trinta artigos e muita leitura dos escritos dos Santos Padres e comentadores. Em um momento em que a Igreja olha para os primeiros séculos tentando entender como se desenvolveu a integração dos novos membros através de uma longa preparação, o catecumenato, e a administração dos sacramentos do batismo, confirmação e eucaristia como inspiração para os tempos em que vivemos, o resgate histórico é fundamental. Perceber como nas adversidades dos primeiros séculos a Igreja sempre privilegiou um processo de formação integral, que contemplava a pessoa por inteiro, através das três dimensões, doutrinal, litúrgica e ascético-penitencial, nos ajuda a rever uma postura reducionista, quase sempre privilegiando a dimensão doutrinal em detrimento das outras. Em uma Igreja “em saída”, missionária e que evangeliza, a iniciação de adultos deixa de ser exceção para se tornar uma preocupação real.

         De todas essas leituras e artigos, um me foi significativamente envolvente e emocionante: “Agostinho e a Iniciação Cristã de Vitorino”, publicado no SERVINDO de novembro de 2020. A narrativa que o presbítero Simpliciano fez a Agostinho da iniciação cristã de Mario Vitorino foi o testemunho que faltava para Agostinho acolher definitivamente a fé cristã e professá-la.

“Ele [Vitorino] proclamou sua verdadeira fé com admirável segurança. Todos desejavam levá-lo para dentro do coração e, de fato, para lá o arrebatavam com as mãos do amor e da alegria” (Confissões VIII 5).

“Logo que teu servo Simpliciano me contou esses fatos sobre Vitorino, senti imenso desejo de imitá-lo. Aliás, era o que sua narração tinha em vista” (Confissões VIII 10).

         Esses textos se referem à “devolução do Símbolo” feita por Vitorino durante seu catecumenato, alguns domingos antes da Páscoa, quando recebeu propriamente os sacramentos da iniciação. Corresponde ao que atualmente chamamos de Profissão de Fé, através da proclamação do Credo, síntese das verdades fundamentais de nossa fé.

         Esse texto, para mim, adquiriu um sabor novo. Saber, do latim sapere e sabor, sapore, procedem da mesma raiz. Etimologicamente, saber significa “ter gosto”. É emocionante quando algum saber adquire gosto!

         Entre os anos de 1993 e 1995, quando cursava o mestrado em filosofia na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, um dos autores que escolhi para meu exame final foi Agostinho (o outro, Platão). E entre os textos de Agostinho, estava a obra Confissões. No período de férias, trabalhava atendendo confissões no Santuário de Santa Rita, em Cássia. Como entre uma confissão e outra, durante a semana, acontecia de ter algum tempo livre, carregava comigo uma edição de bolso das Confissões. De modo que a li várias vezes. Mas como minha preocupação na época era pela filosofia ali contida, como na investigação do tempo, por exemplo, esse texto nunca me chamou particularmente a atenção. Somente agora, relendo os Santos Padres e, particularmente Agostinho, preocupado com a iniciação cristã, pude de fato degustá-lo. Ele teve para mim um sabor inédito, embora o tivesse anteriormente lido várias vezes.

         Agostinho, Simpliciano e Mario Vitorino me chamaram a atenção para as tantas vezes que proclamamos o Credo durante a missa de modo “insípido”, ou seja, sem gosto, sem sabor! Mais ou menos no “automático”.

         Entre o fim do segundo século e a primeira metade do terceiro, percebemos que houve uma preocupação em recolher as grandes exposições da fé católica, desenvolvidas em torno dos Símbolos batismais, principalmente com finalidade de combater as heresias surgidas. Foram inicialmente conhecidas como “regras da fé” ou “regras da verdade”.

         Essas “regras da fé” são a “Palavra abreviada”, ou seja, “da fé do Símbolo que é comunicada aos crentes e nas quais está contida a síntese de todo o mistério, expresso em breves fórmulas(Orígenes, In Rm. VII, 19)

         A documentação mais consistente dessas catequeses em torno do Credo é encontrada na segunda metade do século IV, com Teodoro de Mopsuéstia, João Crisóstomo e Ambrosio de Milão. Como relato em primeira pessoa de quem as vivenciou, a Peregrinação de Egéria é inigualável. O exemplar mais completo que chegou até nós são as Catequeses de Cirilo de Jerusalém.  

         Embora houvesse variação entre as Igrejas, encontramos algumas práticas bem consolidadas. A exposição do Credo era feita após a exposição das verdades fundamentais das Escrituras (como aparece no diário de Egéria) ou contemporaneamente (como em Cirilo e Teodoro). O bispo que dirigia as explicações o fazia sempre seguindo uma dupla dimensão: primeiro literal e depois espiritual, ou seja, colocava o catecúmeno em contato com os eventos que fundamentam nossa fé e depois as implicações existenciais, morais e litúrgicas que delas decorrem. Esta dupla abordagem vale tanto para as Escrituras quanto para o Credo.

         Para o Símbolo, ou seja, o nosso Credo, são previstos dois momentos solenes: o da “entrega”, quando o bispo o explica aos catecúmenos e seus padrinhos, e o da “devolução”, quando o catecúmeno, diante do bispo, o proclama solenemente. Já sabemos que não deveriam escrever o Símbolo, mas sabê-lo de memória. Durante a semana os padrinhos tinham a função de ajudá-los na memorização. Podemos ler esta explicação em Egéria:

         “E quando já tiverem sido completadas cinco semanas desde que são ensinadas (as Escrituras), então recebem o Símbolo, do qual lhes expõe o conteúdo, igualmente como expôs o conteúdo de todas as Escrituras, cada uma das passagens, primeiro literalmente, depois espiritualmente.” (46,3)

         Quando já tiverem transcorridas sete semanas, resta aquela única semana pascal que aqui chamam semana maior, então já chega o bispo de manhã no Martyrium. No fundo da abside, atrás do altar, põe-se uma cadeira para o bispo e aí vão um a um, o homem com seu padrinho e a mulher com a sua madrinha, e entregam o Símbolo para o bispo” (46,5).

         O Símbolo era mais do que a coletânea de verdades de fé expressas de forma sintética para a memorização. E a sua “devolução”, mais do que uma prova de catequese que visasse conferir a memorização. O Símbolo e a sua “devolução” era uma oração e um testemunho de fé! Recomendava-se que o cristão o rezasse todos os dias e várias vezes. 

“Recebe, pois, e guarda só a fé no ensinamento e na profissão. Fé que é transmitida pela Igreja e que se funda em toda a Escritura. Mas como nem todos podem ler as Escrituras, sendo que a alguns a ignorância e a outros a ocupação afasta do conhecimento - para que a alma não se perca - oferecemos em poucas linhas todo o dogma da fé, o qual quero recordar-vos com as próprias palavras e que deveis recitar vós mesmos com todo o cuidado. Não quero que os escrevais em papel, mas que os graveis na memória de vosso coração.” (Cirilo de Jerusalém, Catequeses pré-batismais V,12)

         Que as verdades de nossa fé fiquem gravadas na memória de nosso coração!