Ao longo de vários meses percorremos a história da iniciação cristã nos primeiros séculos do cristianismo olhando de modo particular os escritos de alguns santos padres. A Igreja sempre se preocupou em preparar bem seus membros, sobretudo quando participariam dos sacramentos da iniciação: batismo, confirmação e eucaristia. Já é hora de oferecer uma visão de conjunto, lembrando que esta iniciação assumiu formas diversas conforme as Igrejas Particulares e o transcorrer dos séculos, embora com notáveis elementos em comum. O divisor de águas foi certamente a chamada "paz de Constantino", no início do século IV, a ponto de podermos falar de um antes e depois.
O catecumenato, essa preparação integral para a recepção dos sacramentos da iniciação, antes da "paz de Constantino" e seus efeitos mais imediatos, foi fruto de uma caminhada e empenho da Igreja nascente: forma-se no século II e atinge seu auge no século III e na primeira metade do século IV. O modelo de Igreja que gera o catecumenato é o da Igreja missionária que, além do anúncio do Evangelho, busca formar bem e seriamente seus membros. Para isso, trabalha intensamente a preparação ao batismo: exame de ingresso, longo período de formação, conversão de vida e exame das qualidades necessárias para a recepção dos sacramentos.
Este catecumenato estava constituído de quatro etapas:
1. A missionária ou evangelizadora: destinada a suscitar a fé e a conversão; tinha seu centro no anúncio do evangelho. Cada cristão se empenhava em divulgar o Evangelho aos seus familiares, vizinhos e companheiros de trabalho. Alguns fundaram verdadeiras escolas, nos moldes das filosóficas pagãs, para evangelizar. Os que se propunham a iniciar sua caminhada para o ingresso na Igreja passavam por um exame que deveria comprovar sua motivação sincera e disposição. Havia um responsável da comunidade por este exame, que mais parecia um controle. Intervinham os "introdutores", que davam seu parecer; bem como, em alguns casos, os "padrinhos". Aqueles que tivessem uma profissão incompatível com o cristianismo, que levassem à idolatria, homicídio ou impureza, deveriam abandoná-la. Uma vez admitidos, recebiam o nome, conforme a região, de benditos, eleitos, competentes ou iluminados.
2. A etapa catecumenal, propriamente dita. Era o período de instrução e incorporação vital dos ensinamentos. O catecúmeno deveria assimilar o modo de viver esperado dos seguidores de Cristo, desenvolver uma espiritualidade evangélica e participar ativamente da liturgia, no que a ele era permitido e indicado. A duração recomendada desta etapa variava, conforme alguns testemunhos, entre dois ou três anos, mas poderia se estender por mais tempo. Em alguns casos, poderia ser também abreviada, mas eram excepcionais. Após a "paz de Constantino", cada vez mais os catecúmenos passaram a se "acomodar" nesta etapa, a ponto de muitos retardarem o batismo até o momento do leito de morte. São freqüentes as exortações contrárias a essa prática, que visava fugir do compromisso mais sério do batizado. Aos poucos, o catecumenato propriamente dito, estará restrito ao tempo quaresmal,
"No começo do século IV, quando se constituiu a Quaresma nas Igrejas Cristãs, ela tomou um feitio de um grande retiro batismal: toda a comunidade acompanhava os futuros iniciados, renovando seu próprio caminho na direção da regeneração até o momento da eucaristia solene na noite da Ressurreição" (Robert Cabié[1])
3. A preparação imediata ou etapa quaresmal. São as semanas que antecedem a Páscoa, já que a duração da quaresma varia conforme as épocas e as Igrejas. É bom lembrarmos que é neste tempo que está se estruturando o ano litúrgico. E esta estruturação se dá intimamente ligada ao catecumenato. Esta etapa serve como uma preparação mais intensa para a recepção dos sacramentos. Tinha início com eleição e inscrição do nome. O eleito ou iluminado participava de catequeses, praticamente diárias. Seu conteúdo era a História da Salvação, a "entrega" e "devolução" do Símbolo (Credo) e do Pai-Nosso. Havia também os "escrutínios" (a princípio três e, mais tarde, sete, porque relacionados com os dons do Espírito Santo) com exorcismos. Especialmente valorizado nesta etapa era o jejum. Tinha seu auge na recepção dos sacramentos do batismo, confirmação e eucaristia. De preferência, celebrados na Vigília Pascal.
4. Etapa do tempo pascal. Esta etapa era dedicada à instrução sobre o simbolismo dos sacramentos (catequese mistagógica). Em algumas Igrejas, os sacramentos eram vivenciados antes e explicados posteriormente.
Característica deste catecumenato antigo era sua preocupação com o que hoje chamaríamos de formação integral: a catequese apresentava estruturadamente os ensinamentos cristãos e a liturgia era vivenciada como um processo ascendente de celebrações que atingia seu auge na recepção dos sacramentos da iniciação. O catecumenato não privilegiava a instrução intelectual, mas formava o candidato para a vida cristã. Mesmo a formação doutrinal estava adaptada aos candidatos. Embora a maioria fosse analfabeta, havia também catecúmenos instruídos, aos quais a mensagem cristã deveria ser apresentada de forma adequada.
Na segunda metade do século IV já percebemos uma transformação no catecumenato. Este é o século em que o cristianismo irá iniciar como religião cruelmente perseguida e terminará como religião oficial e única do Império. De extremamente desafiadora, a religião de massas.
O catecumenato irá manter ainda no século V uma vitalidade de quem busca a evangelização do Império e a superação do modo de vida e organização social e moral própria do paganismo. Mas aquela unidade formativa vai se rompendo, a ponto de alguns santos padres reclamarem que os catecúmenos não participam mais ativamente das celebrações (vale lembrar, os catecúmenos participavam da liturgia da palavra). Os esforços vão sendo concentrados nas catequeses. À toa não é que estamos no período dos grandes catequetas. Mas mesmo este catecumenato reduzido ao tempo quaresmal logo entrará em decadência e desaparecerá entre os séculos VI e VII. A recepção dos sacramentos da iniciação cristã acontecerá em uma única celebração e sem um processo formativo.
[1] CABIÉ, R., IN: MARTIMORT, A Igreja em Oração. Petrópolis: Vozes, 1991, p.38.
Pe. Luiz Antonio Belini