Do ponto de vista meramente humano, o sofrimento é indecifrável e até mesmo rejeitado. Isso, porque sofrer não é próprio do homem, não faz parte de sua constituição e de sua realidade existencial. Ao longo da história, muitas foram as catástrofes naturais e barbáries humanas que evidenciaram o sofrimento e a impotência humana frente a ele. Um exemplo disso foi a Segunda Guerra Mundial, que colocou muitos seres humanos em uma condição deplorável, existencialmente falando.
Ao realizar uma viagem apostólica à Polônia, mais precisamente ao campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, palco das maiores atrocidades do referido evento, o então Papa Bento XVI escreveu um discurso realizado no dia 28 de maio de 2006, no qual levantou a seguinte indagação: “Onde estava Deus?”. É uma pergunta que, senão todos, ao menos a maioria de nós faz diante de quaisquer sofrimentos.
Nesse discurso, sabiamente o Papa afirma: “[...] não podemos perscrutar o segredo de Deus, vemos apenas fragmentos e enganamo-nos se pretendemos eleger-nos a juízes de Deus e da história. Não defendemos, nesse caso, o homem, mas contribuiremos apenas para a sua destruição”. Ou seja, não conhecemos todos os desígnios de Deus e não podemos ser seus juízes, atribuindo a Ele a culpa pelo nosso sofrimento. Isso não nos ajuda, pelo contrário, nos torna ainda mais suscetíveis à aflição e angústia. O que devemos fazer então? Ainda em seu discurso, o Papa responde com as palavras do Salmo 44: “Desperta, Senhor, por que dormes? Desperta e não nos rejeites para sempre!”. Segundo o Papa, ao gritar a Deus, despertamos ao mesmo tempo, dentro de nós, a presença de Deus escondida e sufocada pelo egoísmo, indiferença, oportunismo e medo dos homens.
Hoje, emerge diante de nós a desventura de uma pandemia. Diante disso, de um lado, cabe a nós rezarmos a Deus para que cesse essa situação de morte, de outro, podemos dar um valor salvífico para todo esse sofrimento, ou seja, o sentido cristão. Em um de seus documentos magisteriais escritos em 1984, cujo título é: “Salvifici Doloris – o sentido cristão do sofrimento humano”, o então Papa João Paulo II afirmava que ao permitir o sofrimento, Deus não quer nos punir, não quer criar em nós uma postura de aversão a Ele, tampouco nos destruir. Ou seja, Deus permite o sofrimento para que o mesmo sirva “[...] à conversão, isto é, à reconstrução do bem no sujeito, que pode reconhecer a misericórdia divina neste chamamento à penitência” (Salvifici Doloris, n. 12). Segundo o Papa, o sofrimento temporal é contrário à salvação, contudo, dele podemos nos beneficiar e tê-lo como um meio para reconhecer a onipotência divina e nos converter.
Mas, se o sofrimento temporal de certa forma não nos oprime, podemos desenvolver tamanha autossuficiência e perda do sentido de Deus em nossas vidas, que certamente cairemos no sofrimento definitivo, o qual é totalmente contrário à salvação e do qual não há mais como recorrer.
Em Cristo o sofrimento é ressignificado, pois, sabemos que nossos pecados foram a causa do sofrimento do Redentor, de modo que “[...] o sofrimento humano atingiu o seu vértice na paixão de Cristo” (Salvifici Doloris, n. 18). Todavia, da cruz do Senhor, o sofrimento “[...] revestiu-se de uma dimensão completamente nova e entrou numa ordem nova: ele foi associado ao amor” (Salvifici Doloris, n. 18). Não significa ter uma postura masoquista, contudo, é extraordinário olhar e/ou experimentar o sofrimento sob esse prisma salvífico, entendendo que além de operar a Redenção por meio do sofrimento, Cristo redimiu o próprio sofrimento.
O Senhor sofreu no lugar e em prol do homem e, assim, todos nós somos chamados a tomar parte daquele sofrimento pelo qual se operou a Redenção. Esse sentido novo dado ao sofrimento pode ser descoberto mediante a fé, de modo que ao descobri-lo, a ele conferimos um novo significado (Salvifici Doloris, n. 19-20).
Então, paradoxalmente falando, sofrimento e glória se interpenetram, pois, “[...] o mistério da paixão está contido no mistério pascal” (Salvifici Doloris, n. 21). Sofrer por Cristo é vislumbrar e entender o Mistério Pascal, sabendo que para chegar à glória, antes o Senhor desceu até “[...] as últimas consequências da debilidade e da impotência humana” (Salvifici Doloris, n. 23). Assim, ao associarmos os nossos sofrimentos aos sofrimentos do Senhor, o nosso sofrimento se insere na dimensão redentora, porque, mesmo sabendo que o sofrimento de Cristo redimiu o mundo e que o mesmo é inexaurível e infinito, de modo que a ele nada pode ser acrescentado, Cristo, “[...] no mistério da Igreja, que é o seu Corpo, em certo sentido abriu o próprio sofrimento redentor a todo o sofrimento humano. Na medida em que o homem se torna participante dos sofrimentos de Cristo – em qualquer parte do mundo e em qualquer momento da história – tanto mais ele completa, a seu modo, aquele sofrimento, mediante o qual Cristo operou a Redenção do mundo” (Salvifici Doloris. n. 24).
Em síntese, tudo o que foi dito não implica em uma passividade diante do sofrimento, entretanto, visto que no plano do tempo e da história ainda sofremos sob a influência do pecado, precisamos reconhecer o sofrimento redentor de Cristo e fazer com que o nosso sofrimento ganhe sentido no sentido salvífico do sofrimento do Senhor.
Alex Junior Ripar de Paixa
Seminarista de Teologia 4º ano