Em meu artigo do mês passado comecei a apresentar um escrito de Agostinho, único em seu gênero, o De Catechizandis Rudibus, traduzido para o português com o título Primeira Catequese Aos Não Cristãos. Em um mundo onde nem todos tinham algum conhecimento de Cristo e da Igreja, era preciso uma primeira apresentação àqueles que reagiam de forma positiva ao kerigma, ou seja, ao primeiro anúncio. A essa primeira catequese se seguia um rito próprio de ingresso na comunidade cristã como catecúmeno. Respondendo a um pedido do diácono catequista de Cartago, Deogratias, que estava insatisfeito com sua catequese, Agostinho apresenta alguns conselhos e dois modelos de catequese, como sugestão.
Esta catequese inicial, que Agostinho chama de narrativa, deve conter a história da salvação, no seu essencial, a partir de alguns eixos e da Igreja até o momento presente; sempre revelando a unidade do plano de Deus - “o Novo Testamento está escondido no Antigo e o Antigo Testamento está manifesto no Novo” (IV,8). O objetivo desta narrativa não é uma mera instrução intelectual, mas despertar a fé. Mostrar que a plenitude da revelação reside na manifestação do Deus Amor, que nos amou primeiro e vem até nós em Jesus Cristo, centro de nossa fé - “Qual seria o maior motivo da vinda do Senhor, senão Deus mostrar o seu amor para conosco” (IV,7); Ele que nos amou primeiro - “Pois não existe maior convite para amar do que ser amado antes” (IV,7). Seu pano de fundo deve ter como nossa resposta a lei do duplo amor: a Deus e ao próximo.
“Portanto, colocando esse amor como o teu grande objetivo, como a referência de tudo o que dizes, narra o que narrares de tal maneira que aquele que te ouve falando creia; crendo, espere; esperando, ame” (IV,8)
Entre os conselhos que Agostinho dá em relação ao uso das Escrituras, um deve ter uma motivação muito pessoal. Sabemos que por muito tempo Agostinho rejeitou as Sagradas Escrituras porque as achava muito simplórias. Para ele, mestre de retórica, esse era um impedimento sério de adesão ao cristianismo. Somente quando começou a ouvir as explicações que dela fazia Ambrósio, começou a valorizá-las e amá-las. Nesse contexto, sua explicação faz todo sentido:
“Devem aprender, principalmente, a ouvir as Escrituras divinas, para que não desdenhem, porque não pomposa, a palavra sólida, nem julguem que as palavras e os fatos humanos que lemos naqueles livros, envolvidos como estão por elementos carnais e secretos, devem ser entendidos ao pé da letra e não necessitam ser explicados e interpretados para serem entendidos” (IX,13).
Nem os catequistas devem deixar seu apostolado por não ter uma grande eloquência, ou seja, por não falar bonito, porque “devem preferir mais ouvir palavras verdadeiras do que palavras eloquentes, assim como devem preferir ter amigos prudentes do que bonitos. Saibam também que aos ouvidos de Deus não chegam palavras, mas o afeto do coração” (IX,13).
Agostinho apresenta duas possibilidades de narrativas, uma longa e outra curta, que o catequista pode escolher conforme a conveniência.
Deve terminar lembrando algumas verdades de nossa fé, particularmente importantes: a necessidade de uma vida coerente com a fé; a fé na ressurreição da carne e o juízo final. Por fim, o catequista deverá alertar o candidato para as tentações e os maus exemplos que ele encontrará, tanto fora da Igreja, como dos que odeiam o nome cristão, hereges e cismáticos; quanto ao interno da Igreja, que ela tolera como cizânia no meio do trigo, até o tempo da colheita, que é feita pelo Criador e que é paciente com eles, esperando sua conversão. Um parágrafo de Agostinho, a esse respeito, nos parece muito expressivo também para nosso tempo:
“Tu verás muitos bêbados, avarentos, fraudadores, jogadores, adúlteros, fornicadores, os que aplicam a si mesmos remédios sacrílegos, aqueles que são dados a encantamentos e à astrologia ou a qualquer outra arte ímpia de adivinhação. Notarás também que as mesmas multidões que enchem as igrejas nas festas dos cristãos, enchem também os teatros nos dias festivos pagãos. (...) talvez conheças alguns que se dizem cristãos que fazem até coisas mais graves. (...) O fim para todos os que perseveram em tais obras é a condenação. Portanto, quando vires muitos não somente fazerem isso, mas também o defenderem e convidarem para fazê-lo, fica firme na Lei de Deus, e não sigas os prevaricadores dela. Pois serás julgado não segundo o pensamento deles, mas segundo a verdade de Deus” (XXV,48).
Algo que pode estar faltando entre nós: rezar pelos que estão se aproximando da fé cristã e da Igreja. Rezar não eventualmente ou em uma determinada celebração, mas rezar de forma contínua, interessada e comunitária. É o conselho que Agostinho dá para o catequista frente ao que o ouve sem esboçar nenhuma reação: “... mais do que dizer-lhe muitas coisas sobre Deus, falar a Deus em favor dele” (XIII,18).
No final, deve-se interrogar o candidato se crê em tudo o que ouviu e se deseja observá-lo. “Se responder que sim, então deve ser solenemente marcado com o sinal da cruz e ser tratado conforme o costume da Igreja” (XXVI,50). A partir de agora passará a fazer parte do grupo dos catecúmenos.
Pe. Luiz Antônio Belini
Colunista do Jornal Servindo