Neste mês de fevereiro, em que somos convidados a vivenciarmos juntos o tempo da Quaresma, somos interpelados pela passagem de Jo 15,1-17, que se encontra inserida dentro de um bloco que prepara imediatamente a comunidade joanina para a Paixão e Morte de Jesus (cf. Jo 13-17). A passagem parece demonstrar o ideal de comunidade pensada pelo autor do quarto evangelho: uma comunidade de iguais que, mantendo-se unidos ao tronco, que é o próprio Cristo, produzem frutos.
Para compreender a passagem, parece necessário olharmos para o Antigo Testamento. Jesus, no início da perícope afirma: “Eu sou a videira verdadeira” (Jo 15,1). Tal afirmação compreende uma das sete vezes em que Jesus apresenta-se como o “Eu sou” (cf. Jo 6,35; 8,12; 10,7; 10,11; 14,6; 15,1). O autor parece evocar, de forma perfeita, a afirmação de que Jesus é o mesmo Deus que atuou e atua, desde os primórdios, na história da salvação, ou seja, desde a revelação a Moisés e a libertação do Egito (cf. Ex 3,14). Assim, Jesus é destacado como o Deus vivo e verdadeiro que continua atuando na história.
No entanto, faz-se necessário compreender esta passagem no contexto da Paixão, a fim de a entendermos como um testamento deixado por Jesus. Nessa perspectiva, Jesus instrui seus discípulos na continuidade da missão iniciada por Ele. Essa missão parece se basear na união com Jesus e na vivência do mandamento do amor. Mesmo que o autor fale de mandamentos (cf. Jo 15,10), o único destacado é o do amor (cf. Jo 15,12).
O modelo de comunidade parece pautar-se na igualdade entre seus membros: todos são ramos de uma mesma videira. Não existe uma hierarquia pré-definida. Todos, com suas particularidades, fazem-se iguais, a fim de produzir o fruto que é o amor.
A imagem da videira assume uma conotação muito importante, visto que o povo de Deus é descrito como uma vinha que o Senhor arrancou do Egito e plantou na terra prometida (cf. Sl 80,9-10). Assim, a videira é a representação do povo de Deus. No entanto, em Jesus é possível reconhecer uma novidade. Ele se apresenta como a videira verdadeira (cf. Jo 15,1). Somente ligados Nele é que os discípulos poderão frutificar. Mesmo diante de podas ou ventos fortes, o ramo, para frutificar, não pode se desligar do tronco. O desafio ao discípulo torna-se, então, a permanência desafiadora proposta por Jesus:
...permanecer é comprometer-se, é conflitar-se diante de uma sociedade que produz injustiça e morte.
É importante destacar que uma videira produz frutos em seus ramos. Neste intento, Jesus, que é o tronco, necessita dos discípulos para oferecer os frutos à sociedade. Desse modo, faz-se possível compreender seu testamento, Ele vai para junto do Pai, mas antes, instrui os discípulos a continuarem sua missão redentora na terra. Aqui está pautada a verdadeira santidade que é entranhar-se nas periferias mais profundas a fim de transformá-las. Uma santidade que não se preocupa com a libertação integral do ser humano, torna-se apenas caricatura.
Os discípulos só poderão ser reconhecidos como seguidores de Jesus ao passo que vivenciarem concretamente o amor (cf. Jo 13,35).
A vivência do amor deve ser realizada de forma gratuita e espontânea. Para isso, Jesus supera a imagem do servo. Os discípulos, a partir da experiência que fizeram com o Senhor, tornam-se amigos, pois possuem livre acesso a Jesus e às suas ações. Nesta perspectiva Jesus parece desejar uma comunidade de amigos que, tendo acesso ao seu projeto de vida, sejam capazes de doar a vida como Ele, que veio ao mundo para produzir vida em abundância (cf. Jo 10,10) e comprometeu sua vida neste projeto. São os discípulos quem continua doando a vida a fim de que todos alcancem dignidade.
Por fim, a vivência concreta do amor transpõe os grandes discursos e demonstra-se nas ações cotidianas.
Os frutos de direito e justiça, pautados no amor, só continuarão a existir se os discípulos se manterem unidos ao tronco, que é Jesus. O Reino não começa após a passagem para a vida nova, ele começa hoje. Esta deve ser a meta do discípulo que se mantém ligado à videira: produzir, cotidianamente, frutos de vida para todos.
Que o tempo da Quaresma nos desperte, vivendo profundamente a Campanha da Fraternidade, a estarmos sempre ligados a Cristo, produzindo frutos que permaneçam e que promovam a vida.
Waldir Romero Junior
Seminário de Teologia Dom Virgílio de Pauli, Cambé