Morando e trabalhando co-mo professor de retórica em Milão, Agostinho escuta frequentemente ao bispo Ambrósio, famoso pela sua oratória. Homem de vasta cultura e profunda espiritualidade, estudioso das Sagradas Escrituras e preocupado em fazê-las críveis aos seus ouvintes, plantou em Agostinho a semente da dúvida quanto à sua depreciação dos livros Sagrados e ao mesmo tempo foi mostrando-lhe seu verdadeiro sentido. Aos poucos, Agostinho passou a amar o que antes classificava como irracional.
“Todos os domingos ia escutá-lo quando ele apresentava, com retidão, a palavra da verdade ao povo. E eu me convencia cada vez mais de que podia ser desfeito o nó das astuciosas calúnias, com que os meus sedutores envolviam os livros sagrados”(Confissões VI,3,4).
Agostinho vive um momento de profunda crise existencial. Nesta busca de sentido, o aprofundamento na filosofia neoplatônica e os diálogos com Simpliciano, presbítero que havia ajudado na formação teológica de Ambrósio e iria sucedê-lo no episcopado, ajudam a vencer as últimas barreiras em vista da conversão definitiva. Num desses diálogos, Simpliciano conta para Agostinho como se deu a conversão e iniciação cristã de Mário Vitorino [objeto do meu artigo no mês passado]. Era o que faltava para Agostinho. Ao sair desse encontro, estava decidido a dar os primeiros passos de uma mudança radical.
Agostinho se desembaraça do relacionamento com a concubina e com uma noiva que havia arrumado neste meio tempo, abandona as aulas de retórica e vai passar um tempo na zona rural, em Cassicíaco, para aprofundar sua fé. Junto com Agostinho estão sua mãe, Mônica, agora viúva, Alípio, amigo de infância e o filho, Adeodato.
“Quanto te invoquei, ó meu Deus, ao ler os salmos de Davi, cânticos de fé, hinos de piedade contrastantes com qualquer sentimento de orgulho, eu, novato ainda no caminho do teu verdadeiro amor, catecúmeno em férias, no campo com Alípio, catecúmeno também este, e na companhia de minha mãe, de aspecto feminino e fé varonil, com a serenidade da velhice, ternura maternal e sólida piedade cristã” (Confissões IX,4,8).
Esta estadia em Cassicíaco marca definitivamente a conversão de Agostinho. As preces de sua mãe foram atendidas. E com ele, Alípio e Adeodato.
“Quando chegou o momento em que devia dar o meu nome para o batismo, deixando o campo, voltamos para Milão. Quis também Alípio renascer em ti, juntamente comigo, já revestido da humildade tão de acordo com teus mistérios (...) Juntamos também a nós Adeodato, filho do meu pecado, a quem tinhas dotado de grandes qualidades” (Confissões IX,6,14).
Feita a inscrição dos seus nomes, participam do grupo daqueles catecúmenos que fazem a formação quaresmal para o batismo, os Competentes.
Serão quarenta dias de intensa oração, meditação das Sagradas Escrituras, exorcismos e jejuns. Receberão (traditio) o Símbolo, síntese da fé (algo muito próximo ao nosso atual Credo) e numa semana seguinte o professarão (redditio). O mesmo acontecerá com o Pai Nosso, a oração por excelência do cristão. Durante a vigília pascal de 387, na noite de 24 para 25 de abril, o bispo Ambrósio administrou o batismo para Agostinho, Alípio e Adeodato, que tinha neste momento quinze anos.
“Fomos batizados, e desapareceu qualquer preocupação quanto à vida passada. Naqueles dias, eu não me cansava de considerar a grandeza de teus desígnios para a salvação do gênero humano, pela inefável doçura que sentia. Quantas lágrimas verti, de profunda comoção, ao suave ressoar de teus hinos e cânticos em tua Igreja!” (Confissões IX, 6,14).
Juntamente com o batismo, receberam a confirmação e, pela primeira vez, puderam participar da eucaristia. A vida de Agostinho se transformará profundamente. Decide voltar para o norte da África, sua terra.
Durante esta viagem de volta, sua mãe morre na cidade portuária de Óstia. Pouco tempo depois também seu filho irá falecer. Atendendo às necessidades da Igreja em Hipona, será ordenado sacerdote em 391 e, em 396, bispo, trabalhando ali até sua morte, em 430.
Uma curiosidade ao terminar este artigo. Na citação anterior, Agostinho narra sua emoção ao entrar na Igreja após o batismo e confirmação, para a eucaristia, ouvindo o canto dos fiéis que os recebiam. Fazia apenas um ano ou pouco mais que se tinha introduzido o costume de cantar na Igreja. Foi quando a mãe do imperador Valentiniano, ainda menor, perseguiu o bispo Ambrósio, o povo passava horas e, às vezes, a noite toda em vigília. Foi assim que surgiu o que será conhecido posteriormente como canto ambrosiano. Antes não se tinha o costume no ocidente de cantar nas celebrações.
“Não havia muito tempo que a igreja de Milão começara a adotar o consolador e edificante costume de celebrar com grande fervor os ritos com o canto dos fiéis, que uniam num só coro as vozes e o coração. (...) Foi então que começou o uso de cantarem hinos e salmos como os orientais, a fim de que os fiéis não se acabrunhassem com o tédio e a tristeza. Esse uso subsiste até hoje e foi imitado pela maior parte das comunidades de fiéis, espalhados por todo mundo” (Confissões IX,7,15)
Escrito por: Pe. Luiz Antônio Belini