Sabemos muito pouco da vida de Cirilo de Jerusalém, no entanto, suas Catequeses (indicado de agora em diante como Cat.) são um escrito fundamental para o nosso conhecimento do processo de iniciação cristã no século IV. É provável que tenha nascido em Jerusalém mesmo, por volta do ano 315. Em suas catequeses, quando se refere a algum lugar de Jerusalém, como a Igreja do Santo Sepulcro, ele chega a descrever como era o local antes da construção. Também sua exegese revela um conhecimento destes lugares (ex. Cat.XII,20; XIV,5.9). Pode ter tido uma vida monacal antes do episcopado (Cat. XII,33). Foi sagrado bispo por Acácio, metropolita de Cesareia, com quem se desentendeu muito cedo. Acácio era de tendência ariana e Cirilo, ao menos pelo que sabemos, como bispo defende a fé de Niceia.
O século IV, com a paz de Constantino, foi o momento em que a Igreja pode explicitar melhor sua doutrina e procurar uma unificação. Um sacerdote de Alexandria, Ário (256-336), daí arianismo, muito estimado pela sua vida austera e por sua eloquência, ensinava que o Verbo era criatura e obra do Pai, não era eterno nem semelhante a Ele quanto à sua substância. A Igreja sempre havia ensinado que o Filho era da mesma natureza do Pai, mas faltavam os elementos conceituais para expressar definitivamente esta questão. O Concílio de Niceia (325) se confrontou com ela e condenou o arianismo, reafirmando a divindade, eternidade e a consubstancialidade do Verbo com o Pai. Mesmo assim a tendência ariana continuou a crescer e, em um determinado momento, se estima que fosse a maioria dos cristãos, tendo o apoio de muitos bispos e, às vezes, de Imperadores ou pessoas influentes na coorte. É esta fé de Niceia (que nós hoje professamos) que Cirilo defenderá contra o arianismo de Acácio. Por causa desta disputa, Cirilo será deposto e exilado de sua diocese por três vezes. A última, por 11 anos.
Próximo do fim de sua vida participou do Concílio de Constantinopla (381), o segundo ecumênico, onde recebeu o reconhecimento pela sua luta e história. Estima-se que tenha morrido entre 386 e 387.
"De fato, foi um pastor voltado para a formação cristã do povo. (...) O seu método foi exigente e incisivo, mas também doce e cordial; a sua oratória deve ser admirada também nos lugares que o hospedaram ao longo dos seus exílios porque era pastoralmente convincente, rica de oportunas e vivazes exortações, frequentemente coloridas por imagens persuasivas e fascinantes" (Calogero Riggi)
O tesouro que Cirilo nos legou foram suas 24 catequeses, feitas provavelmente na forma de homilia. Na verdade, estas catequeses foram estenografadas (método que permite que se escreva tão rápido quanto se fala) por um ouvinte. Cirilo deve tê-las pronunciado já bispo, por volta do ano 350, a maior parte na Igreja do Santo Sepulcro. São dirigidas aos catecúmenos que deram seu nome para a preparação específica em vista da recepção dos sacramentos no Sábado Santo e foram aceitos nesse novo grupo, que Cirilo, seguindo Justino, irá nomear como Iluminandos (photizómenoi, em grego). Na época de Cirilo acontecem ao longo da quaresma, todos os dias pela manhã, antes de irem ao trabalho, e na semana que se segue à Páscoa, já tendo recebido os sacramentos. Estas últimas catequeses serão chamadas de mistagógicas.
As Catequeses possuem três dimensões entrelaçadas: doutrinal, visando explicar as verdades fundamentais do cristianismo, através do comentário do Símbolo, ou seja, do Credo, tal como era professado na Igreja de Jerusalém; mas que Cirilo o faz utilizando as imagens bíblicas e não conceitos abstratos. Moral, exortando o iluminando ao modo de vida compatível com o cristianismo. Cirilo não faz uma separação entre "fé" e "boas obras". Crer implica um determinado modo de vida. Por fim, mistagógico, explicando os ritos e símbolos dos sacramentos que receberam. As catequeses mistagógicas são típicas de Cirilo.
Das 24 Catequeses, é costume distinguir: a primeira, por isso chamada também de Protocatequese ou Catequese Preliminar, que é uma introdução, explicando a caminhada que estão iniciando e exortando a que os ouvintes levem este tempo de preparação e conversão a sério:
"Já nos impregna, ó 'iluminandos', o odor da bem-aventurança; já colheis as flores espirituais para tecer coroas celestiais; já do Espírito Santo a fragrância se aspira. (...) Já destes os vossos nomes. (...) E Deus é munificente para fazer o bem. No entanto, espera a disposição sincera de cada um. (...) O propósito sincero faz de ti um eleito. Embora estejas presente de corpo, se a mente esta ausente, não tiras nenhum proveito" (Cat, I,1).
"Deus não exige de nós nada a não ser boa disposição (Cat. I,8).
Cirilo insiste para que não faltem: "Vem com assiduidade às catequeses" (Cat. I,10). "Os ensinamentos a respeito do batismo de regeneração são dados segundo uma ordem. Se os negligenciamos hoje, como serão recuperados? (...) Crê-me, a catequese é como um edifício: se não aprofundamos e colocamos o fundamento, se não procedemos ordenadamente (...) a obra se torna ruinosa e se perde de todo o trabalho anterior" (Cat. I,11). Está presente também a proibição de revelar ou mesmo conversar com os não iniciados - não-cristãos ou ainda catecúmenos - sobre o conteúdo da catequese. "Se, depois de ter sido pronunciada uma catequese, um catecúmeno te perguntar o que disseram os mestres, não digas nada" (Cat.I,12).
Cirilo exorta a uma mudança de vida. O iluminando tem o período quaresmal para abandonar seus vícios e pecados. Caso seja algo grave e exija mais tempo, deve sair do processo e retornar quando estiver mais bem preparado. "É possível teres entrado com a alma manchada de pecados e com intenções indignas. Entraste; foste admitido, teu nome foi inscrito. Vês a beleza admirável desta Igreja? Observas a ordem e a disciplina? Contemplas a leitura das Escrituras ... Sê movido pela reverência do lugar e deixa-te ensinar pelo que vês. Sai por ora oportunamente para que entres de modo mais oportuno amanhã" (Cat.I,3). Entre o que se deve abandonar, Cirilo cita: avareza, fornicação, impureza. "Tens um período de quarenta dias de penitência. Tens muito tempo para te despojar da veste e limpá-la, vesti-la e entrar de novo" (Cat.I,4). Mas se não se converter, em vão se batizará: "se perseveras nos maus propósitos, o que anuncia está livre de culpa. Neste caso, não esperes tu receber a graça. A água realmente te receberá, mas o espírito não te admitirá" (Cat. I,4).
Enquanto as Catequeses de 2 a 19 (pré-batismais) transmitiam o básico da história da salvação tendo por eixo o Símbolo, as últimas 5, chamadas de Catequeses Mistagógicas, eram proferidas aos neófitos, ou seja, recém-batizados, durante a semana da páscoa. Elas tratam da doutrina dos ritos e cerimônias do batismo, confirmação e eucaristia. Cirilo, bem ao estilo da época, pensa que seja melhor vivenciar os sacramentos para depois receber uma instrução sobre eles: "... é necessário ensinar-vos com precisão, para penetrardes o sentido do que se passou convosco nesta noite batismal" (Cat. Mist. I,1). Enquanto a primeira destas catequeses era uma espécie de introdução, como a Protocatequese, a segunda é sobre o Batismo; a terceira, sobre a Crisma; a quarta, sobre o Corpo e Sangue de Cristo. Elas seguem a sequência dos ritos. Cirilo afirmou mais claramente que seus antecessores a presença real de Cristo na eucaristia. A quinta catequese é sobre a Celebração Eucarística. E é sobre ela uma fonte histórica inestimável. Vale a pena terminar com a explicação que Cirilo dá sobre como comungar (em pé, na mão e sob as duas espécies; o uso de dar a comunhão na boca apareceu apenas no século IX):
Ao te aproximares [da comunhão], não vás com as palmas das mãos estendidas, nem com os dedos separados; mas faze com a mão esquerda um trono para a direita como quem deve receber um Rei e no côncavo da mão espalmada recebe o corpo de Cristo, dizendo: «Amém». (...) Depois de teres comungado o corpo de Cristo, aproxima-te também do cálice do seu sangue. Não estendas as mãos, mas inclinando-te, e num gesto de adoração e respeito, dize «amém». Santifica-te também tomando o sangue de Cristo. E enquanto teus lábios ainda estão úmidos, roça-os de leve com tuas mãos e santifica teus olhos, tua fronte e teus outros sentidos. Depois, ao esperares as orações [finais], rende graças a Deus que te julgou digno de tamanhos mistérios" (Cat. Mist. V,21-22)
Escrito por: Pe. Luiz Antônio Belini