O Simbolismo da Veste Branca na Bíblia

12 de Fevereiro de 2024

"O Simbolismo da Veste Branca na Bíblia"

Ao entrar no batistério, aquele que será batizado deve tirar suas vestes e ficar nu para a unção e a imersão na piscina (há um artigo no Servindo de setembro de 2023: O Rito de Despir-se para o Batismo). Basta lembrar uma indicação: “Tu entras no batistério e logo tira tuas vestes” (TEODORO DE MOPSUÉSTIA, Les homélies XIV, 1). Acontece então o rito de imersão ou banho de regeneração, que é o batismo propriamente dito. Comenta Ambrósio: “Depois disto, recebeste vestes brancas, para mostrar que despiste o invólucro dos pecados e que te revestiste com as roupas castas da inocência”. E para fundamentar esta afirmação, cita o Salmo 51,9: “Asperge-me com o hissopo, e ficarei puro; lava-me, e ficarei mais branco do que a neve”. Concluindo: “quem foi batizado, fica purificado” (Sobre os Mistérios 34). Mas para compreender a riqueza desse rito é preciso nos voltarmos para o mundo bíblico.

A veste não é algo meramente exterior ao ser humano, apenas com uma utilidade prática. Indica a classe social a qual pertence; sua profissão, ou, ao menos, a área de trabalho; como entende e se posiciona na sociedade e no mundo; ou seja, a veste revela muito sobre a pessoa que a usa. Há mesmo uma certa identidade. Por isso o Sirácida já afirmava: “A roupa de um homem, seu modo de sorrir e seu jeito de andar revelam quem ele é” (Eclo 19,27). Por isso, a troca oficial de veste indica a mudança de estado ou de função. São muitíssimos os exemplos também entre nós: o aluno abandona o uniforme escolar e veste o de sua profissão; os magistrados, a toga; os sacerdotes, a túnica, estola e casula; o vestido de noiva indica a mudança de estado, de solteira para casada etc.

Alguns exemplos interessantes de investidura no Antigo Testamento podem nos ajudar. Em Nm 20,21-29, Moisés retira a veste sacerdotal de Aarão, que morre em seguida, e veste com ela o filho Eleazar, indicando que sucede o pai no sacerdócio. Em 2Rs 11-16, Elizeu se veste com o manto de Elias e dá continuidade a missão profética do mestre. Nestes, e em outros casos semelhantes, fica claro que a entrega de uma determinada veste e o seu uso indica uma mudança de condição, função ou de vocação. A veste se identifica a tal ponto com aquele que a usa que é como se passasse a fazer parte dele. Isto explica a possibilidade de inúmeras metáforas bíblicas, como revestir-se de justiça, de força, de temor, de alegria etc. Revestir-se de justiça é ser justo: de força é ser forte, e assim por diante.

No mundo bíblico, a veste de linho branca era usada frequentemente. Podemos imaginar que uma roupa colorida exigiria na maioria das vezes uma tintura, o que a tornava mais difícil e custosa. O que poderia haver era uma variedade de tonalidade de brancos. Esse fato torna ainda mais expressivo quando há uma insistência explícita na cor branca da veste. Sublinha a alegria, como em Eclesiastes 9,8: “vá, coma o seu pão com alegria e beba o seu vinho com satisfação, porque com isso Deus já foi bondoso para com você. Que suas roupas sejam brancas o tempo todo, e nunca falte perfume em sua cabeça”. Simbolicamente, indica também pureza. Nesse caso, o branco é comparado com a neve ou com o leite, como no Salmo 51,9, citado anteriormente.

Algumas passagens em que aparece mencionada a veste branca são interessantes. Em Ezequiel, aparece um misterioso “homem vestido de linho” (Ez 9,2.3.11; a Bíblia de Jerusalém traduz por “linho branco”). Este texto, que pertence ao gênero apocalíptico, está indicando claramente que o executor da vontade divina é, na verdade, um anjo. Um estranho cavaleiro que aparece para conduzir as tropas de Judas Macabeu: “Estavam ainda perto de Jerusalém, quando apareceu, marchando à frente deles, um cavaleiro vestido de branco e empunhando armas de ouro” (2Mac 11,8). Era um anjo. Outro texto aparece na visão de Daniel: “Eu continuava olhando: uns tronos foram instalados e um Ancião se assentou, vestido de veste branca como a neve, cabelos claros como a lã” (Dn 7,9). Nestes três textos a veste branca indica um “ser celeste”. Geralmente, na literatura apocalíptica, os anjos aparecem vestidos de branco.

A literatura intertestamentária e apócrifa (como o Primeiro Enoque e o Testamento de Levi), aquela mais próxima historicamente do Novo Testamento, apresenta a veste branca como sacerdotal e angélica, ou seja, celestial. E, por isso, é um modo para apresentar os eleitos. Iremos reencontrar esta simbologia no Apocalipse de João.

A presença de figuras angélicas no Novo Testamento é consideravelmente maior que no Antigo e, conforme a tradição hebraica, na forma de homens vestidos de branco. É o caso, por exemplo, das narrativas da ressurreição. As mulheres encontraram o túmulo vazio “e viram um jovem, sentado do lado direito, vestido de branco” (Mc 16,5); em Mateus é ainda mais explícito: “o anjo do Senhor desceu do céu e, aproximando-se, retirou a pedra, e sentou-se nela. Sua aparência era como a de um relâmpago, e suas vestes eram brancas como a neve” (Mt 28,2-3; também: Lc 24,4.23); Jo 20,12: “Viu então dois anjos vestidos de branco, sentados onde o corpo de Jesus tinha sido colocado, um na cabeceira e outro nos pés”. Por isso, quando os evangelistas querem apresentar a natureza celeste de Jesus, recorrem a essa simbologia, como no caso da Transfiguração: “Suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas, como nenhuma lavadeira no mundo as poderia alvejar” (Mc 9,3). A nuvem que os cobre com sua sombra (Mc 9,7) é símbolo da presença misteriosa de Deus, demonstrando que Jesus é um ser celestial superior aos anjos. O Apocalipse faz uso extenso dessa simbologia para apresentar os seres celestes, mas também os eleitos, sobretudo os mártires: “Um dos Anciãos tomou a palavra e me perguntou: ‘Você sabe quem são e de onde vieram esses que estão vestidos com roupas brancas?’ Eu respondi: ‘Não sei não, Senhor! O Senhor é quem sabe!’ Ele então me explicou: ‘São os que vêm chegando da grande tribulação. Eles lavaram e alvejaram suas roupas no sangue do Cordeiro’” (Ap 7,13-14).

Paulo, em suas cartas, nos apresenta uma reflexão sobre o batismo que será determinante para o cristianismo. O uso que ele faz da metáfora da veste para exprimir a íntima relação que existe entre Cristo e o batizado pode ter influenciado o rito batismal da veste branca: “De fato, vocês todos são filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo, pois todos vocês, que foram batizados em Cristo, se revestiram de Cristo” (Gl 3,26-27).

Os ouvintes e leitores de Paulo deveriam conhecer bem esta simbologia. E Paulo deve ter feito uso frequente dela (Rm 13,14; Ef 4,24). Revestir-se de Cristo significa tornar-se Cristo, assim como se revestir da justiça significa se tornar justo. Se a veste identifica o ser e sua função, a entrega de uma nova veste ao batizado indica sua identificação e incorporação a Cristo ressuscitado: “Se alguém está em Cristo, é nova criatura. As coisas antigas passaram; eis que uma realidade nova apareceu” (2Cor 5,17).  O pecador convertido, pelo seu batismo, se desnuda da veste de pecado, veste do homem velho, e se reveste do homem novo. “Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim. E esta vida que agora vivo, eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20).

Pode-se dizer que o batizado não vive mais na carne mortal, mas no corpo espiritual de Cristo ressuscitado. Pertence já ao mundo divino da luz: “A noite vai avançada, e o dia está próximo. Deixemos, portanto, as obras das trevas e vistamos as armas da luz. Vivamos honestamente, como em pleno dia: não em orgias e bebedeiras, prostituição e libertinagem, brigas e ciúmes. Mas vistam-se do Senhor Jesus Cristo, e não sigam os desejos dos instintos egoístas” (Rm 13,12-14). Deve produzir as obras do homem novo.


Artigo do Pe. Luiz Antonio Belini, colunista do Jornal Servindo