O Óleo da salvação: a unção pré-batismal

06 de Outubro de 2023

"O Óleo da salvação: a unção pré-batismal"

A essência do rito batismal é o banho regenerador, a imersão na água. Para enriquecer o ritual que está começando a se organizar e para explicitar melhor o seu significado, ajuntam-se outros ritos, como a unção com óleo, o sigilo (sinal da cruz) e a veste branca. No início, poderiam ser apenas metáforas (“comparações”), mas que foram se concretizando em ritos. Serão sempre ritos secundários, mas que em alguns casos poderão assumir uma dimensão que até obscureça a centralidade do próprio rito de imersão. Sua função era, no entanto, pedagógica: indicar de forma visível e concreta o significado do batismo para aqueles que procediam do judaísmo. Esses ritos secundários ajudavam também a diferenciar-se do rito batismal praticado nas seitas hebraicas concorrentes.

         É provável que o rito da unção com óleo tenha tido origem nas comunidades judaicas convertidas ao cristianismo. Temos testemunhos escassos no século II, mas no século III está atestado o uso do óleo na liturgia batismal. Contudo, é impensável uma liturgia batismal que desde o princípio seguisse um modelo uniforme e unitário em toda a Igreja. Desta forma, a unção com óleo se integrou muito rapidamente na liturgia batismal, mas com uma enorme diversidade quanto ao momento, à quantidade de vezes e o tipo de óleo. Também permitirá uma diversidade de interpretações sobre a unção dos que serão batizados. Em relação à quantidade de unções que ocorrem ao longo do rito batismal, encontramos basicamente três situações: uma unção pré-batismal (principalmente em comunidades da Síria e testemunhado pela Didascalia e João Crisóstomo); uma unção pós-batismal (Tertuliano e Cipriano); e duas unções, uma antes e outra depois do batismo (ConstituiçõesApostólicas, Cirilo de Jerusalém, Teodoro de Mopsuéstia). Neste último caso, encontra-se ainda uma variante com uma terceira unção (TradiçãoApostólica).

Abordaremos incialmente a unção em geral. O óleo de oliva prestava-se a uma rica simbologia porque fazia parte da base alimentar dos gregos e, em geral, dos povos do Mediterrâneo. Importante produto da agricultura e comércio entre os povos. Era utilizado também como combustível para as lâmpadas. Misturado com outros vegetais odoríferos, como a mirra e o nardo, era utilizado como unguento para higiene do corpo e para massagem. Os lutadores se ungiam com óleo para os combates nos estádios. O óleo de oliva possuía também qualidades medicinais. Sua cor dourada, o tornava um símbolo solar, divino. As oliveiras podem viver por muitos séculos. Dizem que entre as oliveiras do Monte das Oliveiras em Jerusalém podem ter algumas ainda do tempo de Jesus. Por isso, elas simbolizavam a sabedoria. No judaísmo tardio aparecem como uma das árvores maravilhosas do paraíso e também como árvore da vida. Essas qualidades naturais e o uso da oliveira e do óleo de oliva irão possibilitar uma vasta simbologia. 

         Os que irão receber o batismo são ungidos em todo o corpo como os atletas que competirão nos estádios ou como os lutadores, indicando que no batismo se trava uma batalha contra Satanás e, pela ação do Espírito de Cristo que o venceu, também o batizado o vencerá. O óleo dessa unção pré-batismal é justamente chamado de “óleo de exorcismo”. O óleo é sinal de proteção.  Seu aspecto medicinal indica a cura que o batismo representa para a alma ferida pelo pecado.

“Depois de despidos, fostes ungidos com óleo exorcizado desde o alto da cabeça até os pés. Assim, vos tornastes participantes da oliveira cultivada, Jesus Cristo. Cortados da oliveira bravia, fostes enxertados na oliveira cultivada e vos tornastes participantes da abundância da verdadeira oliveira. O óleo exorcizado era símbolo, pois, da participação da riqueza de Cristo. Afugenta toda presença das forças adversas. Como a insuflação dos santos e a invocação do nome de Deus, qual chama impetuosa, queimam e expelem os demônios, assim este óleo exorcizado recebe, pela invocação de Deus e pela prece, uma tal força que, queimando, não só apaga os vestígios dos pecados, mas ainda põe em fuga as forças invisíveis do maligno”(CIRILO DE JERUSALÉM, Catequeses Mistagógicas II,3).

          Embora tendo presente essas indicações simbólicas da unção com óleo, é, no entanto, no contexto judaico que deveremos procurar seu significado fundamental. Este significado ficará mais explícito na unção pós-batismal. Nos livros do Antigo Testamento encontramos o emprego do óleo na unção que consagrava o rei e os sacerdotes. Podemos lembrar alguns casos. Samuel unge Saul e Davi (1Sm 16,12-13), os consagrando reis.

Então Samuel pegou a vasilha de óleo, e o derramou sobre a cabeça de Saul. Depois o beijou e disse: ‘Javé ungiu você para ser chefe sobre Israel, o povo dele. Você governará o povo e o libertará dos inimigos vizinhos. Eis o sinal de que Javé ungiu você como chefe da herança dele...’ (1Sm 10,1)

         É justamente por esse ritual que o rei era chamado “o ungido de Javé”, ou seja, “o messias”. Os Salmos dão este título a Davi e seus descendentes (Sl 2,2; 45,8). Com o tempo, esse título passa a indicar o rei que deve vir, o Messias esperado. Também os sacerdotes eram ungidos, sobretudo o sumo-sacerdote:

‘...Depois, faça com que Aarão e seus filhos se aproximem da entrada da tenda da reunião. Lave-os com água e vista Aarão com as vestes sagradas. Unja-o e consagre-o, para que exerça o meu sacerdócio. Faça os filhos dele se aproximarem e vista-os com as túnicas. Unja-os, como você ungiu o pai deles, para que exerçam o meu sacerdócio. A unção lhes conferirá o sacerdócio perpétuo em todas as suas gerações’. (Ex 40,12-15)

         Muitos estudiosos pensam que o ritual cristão do batismo tenha se inspirado nesse texto do Êxodo. Por fim, também os profetas são ungidos, embora os textos sejam menos explícitos. O único caso descrito com clareza é a unção de Eliseu por Elias (1Rs 19,16). A unção é aplicada aos profetas muito mais por metáfora que por um ritual. Significativo é o texto de Isaías (Is 61,1-4): “O Espírito do Senhor Javé está sobre mim, porque Javé me ungiu. Ele me enviou para dar a boa notícia aos pobres, para curar os corações feridos...”

         Jesus o aplica a si próprio (Lc 3,16-19). Os primeiros cristãos irão ver em Jesus a síntese destas três figuras messiânicas: real, sacerdotal e profética. Contudo, no Novo Testamento nunca se fala de uma unção ritual de Jesus, mas como no caso dos profetas, de uma unção metafórica. Em Jesus está muito mais explicitado a ação do Espírito que acompanha a unção. É o que Pedro declara sobre Jesus na casa de Cornélio: “Deus o ungiu com o Espírito Santo e com poder” (At 10,38). É por isso que Jesus é chamado de “Cristo”, ou seja, Messias, Ungido. A unção que o que vai ser batizado recebe está em estreita relação com o dom do Espírito.  Nosso testemunho mais antigo é Tertuliano:

“Depois, saindo do banho do batismo, somos ungidos com a unção benta advinda da disciplina antiga, segundo a qual se costumava ser ungido com o óleo para o sacerdócio. Com ele Aarão foi ungido por Moisés. E nosso nome "cristão" provém disso, do crisma que significa unção e dá também seu nome (Cristo: ungido) ao Senhor. Pois, é esta unção, transposta no plano espiritual, que no Espirito ele recebeu de Deus, o Pai (...) Do mesmo modo, em nós a unção se realiza na carne, mas aproveita para o crescimento espiritual, como o rito do batismo é uma ação corporal, que consiste em sermos mergulhados na água, e seu efeito é espiritual, porque nos liberta de nossos pecados” (O Batismo VII).

         O RICA recolhe bem esse significado quando da unção pós-batismal sem a confirmação: “Deus todo-poderoso, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que te fez renascer pela água e pelo Espírito Santo e te libertou de todos os pecados, unja tua cabeça com o óleo da salvação para que faças parte de seu povo, como membro do Cristo, sacerdote, profeta e rei, até a vida eterna” (n.263)




Artigo do Pe. Luiz Antonio Belini, colunista do Jornal Servindo