O RITO DE DESPIR-SE PARA O BATISMO

11 de Stembro de 2023

"O RITO DE DESPIR-SE PARA O BATISMO"

Ao entrar no batistério, o que será batizado tira suas vestes, ficando completamente nu. “Tu entras no batistério e logo tira tuas vestes” (TEODORO DE MOPSUÉSTIA, Les homélies XIV, 1). O mesmo afirma Cirilo de Jerusalém ou o seu sucessor João, em todo caso, sempre no século IV: “Logo que entrastes, despistes a túnica” (Catequeses Mistagógicas II,1).   No batistério estão apenas as pessoas envolvidas no batismo. A comunidade está reunida orando em outro lugar, de preferência na Igreja, para a eucaristia. A nudez é necessária tanto para a unção do corpo todo quanto para o banho de imersão.

O rito de despir-se será interpretado pelos santos Padres recorrendo a uma riqueza de símbolos enraizados no relato genesíaco do paraíso. O próprio batistério era enfeitado com pinturas que tinham o paraíso por inspiração. Antes de tudo, despir-se das vestes com as quais se entra no batistério representa o abandono da vida passada, marcada pela corrupção e pela mortalidade, indicado também como o “velho homem”, aquele que será deixado para trás para dar origem ao “novo homem”, marcado pela regeneração do banho batismal.

Despe o velho homem como uma veste imunda. Recebe a túnica da incorruptibilidade que o Cristo te presenteia” (GREGORIO DE NISSA In: PG 46, 420C). “É preciso que se retire tua veste, índice de mortalidade e que, pelo batismo, tu vistas a túnica da incorruptibilidade” (TEODORO DE MOPSUÉSTIA, Les homélies XIV, 1).

Esse ato de despir-se do velho homem tem consequências muito concretas para a vida daquele que renascerá pelo batismo. Não se trata apenas de um símbolo que se esgota no rito. Representa uma tomada de posição sobre a vida que o batizado deverá levar, optando pelo bem e não continuar a viver indiferentemente dividido entre o bem e o mal. O Pseudo-Dionísio, o Areopagita, um pouco mais tarde, entre os séculos V e VI, quando o batismo já acontece todo em uma única celebração, recolhe o significado que a tradição deu desse desvestir-se:

Mas não se poderia participar ao mesmo tempo de realidades opostas; todo aquele que entra em qualquer comunhão com o Uno [Deus] não pode mais levar uma vida dividida, se pretende ao menos receber do Uno [Deus] uma participação segura, mas será necessário que resista firmemente a todas as investidas daquilo que pode dissolver a unidade [pecado]. Tal é o ensinamento que santamente sugere a tradição simbólica, despojando, por assim dizer, o neófito de sua vida anterior, arrancando-lhe até as últimas afeições deste mundo, colocando-o de corpo e pés nus, com a face para Ocidente à fim de abjurar, com as mãos estendidas, toda comunicação com as trevas más (PSEUDO-DIONÍSIO O AREOPAGITA, A Hierarquia Eclesiástica. III,5; 401A)

O livro do Gêneses afirma que Adão e Eva viviam em harmonia com a natureza, entre si e com Deus: “o homem e sua mulher estavam nus, porém, não sentiam vergonha” (Gn 2,25). Após o pecado, “perceberam” que estavam nus e por isso se esconderam de Deus. Então “entrelaçaram folhas de figueira e fizeram tangas” (Gn 3,7-8). Ao serem expulsos do paraíso, “Javé Deus fez túnicas de pele para o homem e sua mulher, e os vestiu” (Gn 3,21). O pecado rompe aquela tríplice harmonia, razão da vergonha. Serão essas vestes, marcadas pela nova situação do ser humano que deverão ser despidas ao batizar-se, regenerando o homem e a mulher para a vida nova, indicada como aquela paradisíaca anterior ao pecado. Embora continue vivendo os efeitos de um mundo dividido e arruinado pelo pecado, o batizado deve se esforçar para viver novamente em harmonia com a natureza, entre si e com Deus. O pecado e a mortalidade, sua consequência, devem ser deixados para trás pelo batismo.

O tema do pecado e da mortalidade nos leva a Cristo e sua morte na cruz. Cristo foi quem por primeiro desvestiu o velho homem na cruz, superando o pecado e a mortalidade. Se o batismo é uma configuração ao Cristo morto e ressuscitado, é também uma configuração à nudez de Cristo na cruz. Cirilo nos apresenta esta interpretação em sua catequese para os neófitos de Jerusalém:

 “Logo que entrastes, despistes a túnica. E isto era imagem do despojamento do velho homem com suas obras. Despidos, estáveis nus, imitando também nisso a Cristo nu sobre a cruz. Por sua nudez despojou os principados e as potestades e no lenho triunfou corajosamente sobre eles. As forças inimigas habitavam em vossos membros. Agora já não vos é permitido trazer aquela velha túnica, digo, não esta túnica visível, mas o homem velho corrompido pelas concupiscências falazes. Oxalá a alma, uma vez despojada dele, jamais torne a vesti-lo, mas possa dizer com a esposa de Cristo, no Cântico dos Cânticos: "Tirei minha túnica, como irei revesti-la?" Ó maravilha, estáveis nus à vista de todos e não vos envergonhastes. Em verdade éreis imagem do primeiro homem Adão, que no paraíso andava nu e não se envergonhava".

Sobre a vergonha que sentiram Adão e Eva nus no paraíso escreveu um texto iluminador Gregório de Nissa: "Tu nos afastaste do paraíso e nos chamaste de novo; e tu nos desvestiste das folhas de figueira, essas vestimentas sórdidas, e nos revestiste de uma roupagem de honra... Agora quando tu chamares Adão ele não terá mais vergonha nem, sob a reprovação de sua consciência, se esconderá debaixo das árvores do paraíso. Tendo recuperado a parrhésia [confiança filial, que é o oposto da vergonha], ele vai aparecer em pleno dia..." (GREGORIO DE NISSA In: PG 46, 600).

Este rito de despir-se e ser batizado completamente nu, no entanto, também encontrou resistências. As sensibilidades são diferentes entre as culturas e a nudez é vivenciada também diferentemente. Basta nos lembrarmos dos missionários que chegaram da Europa durante a colonização das Américas e os indígenas. Devemos nos lembrar que nos primeiros séculos a maioria dos que vinham para o batismo eram adultos. A obra Didascalia, de um bispo, datada com probabilidade das primeiras décadas do século III na Síria, justifica a necessidade das diaconisas justamente para auxiliar no batismo das mulheres: “Pois não convém que as mulheres sejam vistas pelos homens” e também para que seja “uma diaconisa que unja as mulheres” (DIDASCALIA XVI, 3,12). Um texto do final do século V proveniente de uma comunidade da região do Tibre dá uma orientação parecida:

"Uma vez que é inconveniente que o sacerdote que batiza as mulheres veja sua nudez, este estende somente a mão, separado dela por meio de um véu. A diaconisa leva a mulher que deve ser batizada sob a mão do sacerdote, que assim impõe a mão sobre sua cabeça sem a ver e a batiza..." (cit. por Robert CABIÉ)

Em outros lugares temos testemunho da construção de uma parede com uma janela através da qual o sacerdote passava mão e, orientado por uma diaconisa, ungia e batizava por imersão uma mulher. Estas questões práticas irão desaparecer com o batismo de crianças nos séculos seguintes.



Artigo do Pe. Luiz Antonio Belini, colunista do Jornal Servindo