O rito de Inscrição do Nome

05 de Dezembro de 2022

"O rito de Inscrição do Nome"

         Entre os séculos IV e V, o catecumenato geralmente tinha uma duração de dois a três anos. Poderia variar entre as regiões e de catecúmeno para catecúmeno. Ao final dessa etapa, pedia-se o batismo e, após um exame quanto a pureza de motivação e disposição de vida do candidato, testemunho de membros da Igreja que o conheciam e, particularmente, de seus fiadores, os padrinhos, poderia ser aceito para a segunda etapa que coincidia com o período quaresmal. Embora seja preciso lembrar, no entanto, que o ano litúrgico ainda estava em formação e a quaresma não tinha a mesma duração em todos os lugares. Em todo caso, a quaresma era vivida como um “grande retiro” de preparação para o batismo e, com ele, da crisma e da eucaristia. De fato, em sua origem, a quaresma tinha um caráter catecumenal. Somente com o fim do catecumenato assumiu, para todos os cristãos, um caráter penitencial. A proposta de renovação litúrgica do Concílio Vaticano II resgata esta “dupla índole do tempo quaresmal”: batismal e penitencial (Sacrosanctum Concilium n.109).

O catecúmeno passava a ser chamado, dependendo da região, de “eleito”, “competente” ou “iluminando”, entre os termos mais comuns (recuperados e propostos pelo RICA n.24). Um rito, em particular, marca essa passagem: denomina-se Eleição, “porque a Igreja admite o catecúmeno baseada na eleição de Deus, em cujo nome ela age”; ou Inscrição dos Nomes, “porque os candidatos, em penhor de sua fidelidade, inscrevem seus nomes no registro dos eleitos” (RICA n.22). Gregório de Nissa convida os catecúmenos a apresentarem seus nomes da seguinte maneira:

“Dai-me vossos nomes para que eu os inscreva com tinta. O Senhor, ele próprio, os gravará sobre tábuas incorruptíveis, escrevendo-os com seu próprio dedo, como outrora a Lei aos hebreus” (Patrologia Grega 46,417B)

Gregório usa um argumento corriqueiro na apocalíptica judaica, que é a inscrição do nome dos eleitos por Deus em uma tábua celeste, tal como aparece em Ex 32,32, para mostrar a importância da inscrição do nome. Esse argumento também aparece no cristianismo, como o encontramos em Lucas quando os discípulos voltam alegres da missão por terem visto o poder do nome de Jesus. Ele, contudo, lhes diz: “não se alegrem porque os maus espíritos obedecem a vocês, antes, fiquem alegres porque os nomes de vocês estão escritos no céu” (Lc 10,20). O Apocalipse fala em “livro da vida” (Ap 3,5). Teodoro de Mopsuéstia dedica uma homilia apenas para a inscrição do nome.

“Tu que te apresentas ao batismo, aquele que é preposto para esta missão te inscreve no Livro da Igreja, de forma que saibas que desde agora és inscrito no céu onde teu padrinho tem grande cuidado de te ensinar a ti, estrangeiro nesta cidade à qual chegas recentemente, tudo aquilo que diz respeito à vida nesta cidade, a fim de que habites nela” (Teodoro de Mopsuéstia, Les Homélies, XII,16).

A descrição mais completa que temos deste rito de inscrição do nome nos é dada por Egéria que, em sua peregrinação pela Terra Santa, o pode presenciar e anotar em seu diário. Trata-se da inscrição do nome em Jerusalém durante o século IV. Não sabemos com segurança se o bispo mencionado é Cirilo, o grande catequeta, ou seu sucessor. Seja como for, é muito interessante lê-la:

“E também isto julguei dever escrever, como são instruídos aqueles que são batizados durante a Páscoa. Pois aquele que dá o seu nome dá antes do dia da Quaresma, e o presbítero anota os nomes de todos, isto é, antes daquelas oito semanas as quais disse aqui serem consideradas a Quaresma.

Quando, porém, tiver anotado os nomes de todos, o presbítero, depois do dia seguinte da Quaresma, isto é, em que se iniciam as oito semanas, põe-se para o bispo a cadeira no meio da igreja maior, isto é, o Martyrium,  os presbíteros sentam de um lado e de outro nas cadeiras, e todos os clérigos ficam de pé. E assim são chamados a vir os competentes ao batismo, um a um; se são homens, vão com seus padrinhos, mas se são mulheres, com suas madrinhas.

E assim o bispo interroga individualmente os vizinhos daquele que entrou, dizendo: ‘É este de vida honesta, honra os pais, não é ébrio ou frívolo?’ E interroga acerca de cada um dos vícios, pelo menos os mais graves do homem.

E, se for provado ser sem repreensão a respeito de todas essas coisas que perguntou às testemunhas presentes, anota com sua própria mão o nome daquele. Mas se [o candidato] é acusado em relação a alguma coisa, ordena que ele saia para fora, dizendo: ‘Que se corrija e, quando tiver se corrigido, que se dirija ao banho [batismal]’. Assim diz, perguntando não só em relação aos homens, mas também às mulheres. Se alguém, porém, é peregrino, a não ser que tenha testemunhas que o conheçam, não acede tão facilmente ao batismo” (Peregrinação de Egéria 45,1-4).

O RICA (n.133-139) recupera naquilo que a sensibilidade do nosso tempo permite, o exame das motivações e condutas do candidato, ouvindo testemunhos e, particularmente, os padrinhos. Deixa claro o caráter institucional e comunitário deste exame e da eleição para o batismo. Que ele seja celebrado solenemente no primeiro domingo da quaresma. Durante o tempo quaresmal acontecerá a ultima etapa, aquela de purificação e iluminação.

O tempo quaresmal foi pensado na Igreja dos primeiros séculos como tempo catecumenal. É também um tempo penitencial. Nós dizemos justamente que é um tempo de “purificação”. Não apenas os eleitos são convidados a esta purificação. Todos os fiéis também o são. Entre eles, muitos romperam com Deus e com a comunidade pelo pecado e são convidados à reconciliação. A Igreja é a comunidade de fiéis, mas também de pecadores. E o pecado é o maior obstáculo à fraternidade humana e cristã. Desde seus inícios, o batismo foi entendido como o primeiro dos sacramentos que apaga todos os pecados. Quando alguém já batizado peca gravemente, precisa de um novo sacramento, denominado segunda penitência. Em nossos dias, isso acontece de forma mais corriqueira através das celebrações penitenciais com a confissão e absolvição sacramental. Nos primeiros séculos, acontecia de forma comunitária, solene e grave. Os penitentes se apresentavam para um rito de “exclusão” e início da penitencia, recebendo do bispo as cinzas e a veste penitencial; continuavam participando da mesa da Palavra com os catecúmenos e eram solenemente readmitidos na comunidade também com um rito próprio, na quinta-feira santa bem cedo.

Ao recuperar o catecumenato, a Igreja tem consciência que muitos dos que receberam os sacramentos da Iniciação Cristã ou não foram devidamente iniciados ou a abandonaram, necessitando, em algum momento, dos sacramentos da reiniciação, ou seja, a penitência e a eucaristia. Poderão fazer esta caminhada com os eleitos. Por fim, toda a comunidade eclesial revive na liturgia quaresmal sua iniciação catecumenal, sendo reforçada na vida de oração, que nos coloca diante de Deus; da esmola, sinal da comunicação cristã dos bens; e do jejum, expressão da necessidade de sairmos de nós mesmos em direção ao próximo. Essas três práticas podem nos levar a uma consciência evangélica mais clara; ao compromisso com a justiça fraternal no mundo e a uma plena libertação. “Na quaresma, não se trata portanto de reduzir-nos a um cristianismo individual e interior, mas pessoal e social, a saber, a um cristianismo pascal” (Casiano Floristán).


Artigo de Padre Belini, colunista do Jornal Servindo