Ritos e Símbolos Do Ingresso no Catecumenato

05 de Outubro de 2022

"Ritos e Símbolos Do Ingresso no Catecumenato"

         A iniciação cristã, tal como a encontramos em seu auge, nos séculos IV e V, são um complexo de ritos, gestos, orações e assimilação de um modo de vida compatível com o Evangelho. Utilizando conceitos atuais, diremos que era uma iniciação integral, não apenas sacramental, reduzido ao evento ritual. Este é justamente um dos motivos pelos quais se tem buscado inspiração para a renovação da prática sacramental pós-Vaticano II: superar uma concepção intelectualista da catequese e ritualista das celebrações dos sacramentos. Embora não possamos nunca nos esquecer das notáveis diferenças entre aquele contexto e o nosso. Lá, tratava-se de um mundo pré-moderno, com a predominância de adultos convertidos que se apresentavam com suas famílias. As crianças, incluindo recém-nascidas, eram iniciadas com suas famílias.

         Aos poucos esta situação irá se transformando. O cristianismo deixa de ser uma religião perseguida para se tornar a religião oficial do Império e, posteriormente, sua herdeira, ao menos no Ocidente. Os estudiosos indicam um relaxamento na disciplina rigorosa já no século VI. De exigente e longo, o catecumenato vai se reduzir ao período quaresmal, confundindo os que eram simples catecúmenos com os “co-petentes” (cum petentes: “aqueles que juntos pedem o Batismo”) ou “eleitos” (RICA 24). No século VIII o catecumenato praticamente deixa de existir. O batismo de crianças substitui o de adultos. Lembremos a ordem do imperador Carlos Magno: batizar o quanto antes, de preferência, ao nascer. A Iniciação Cristã irá começar outra organização, aquela que está na base de algumas mazelas que se pretende agora superar. Com o advento do mundo moderno se impôs uma nova situação: fim do regime de cristandade e ampla secularização. Bem como uma transformação sócio-política: democracia, industrialização, urbanização e revolução tecnológica e científica. Nessa nova configuração, ao menos do mundo ocidental, a Igreja deve deixar sua atitude de “manutenção” para evangelizar e iniciar adultos convertidos. O desafio é enorme e não basta repetir o passado.

Sempre que procuramos voltar às fontes e recuperar o frescor originário do Evangelho, despontam novas estradas, métodos criativos, outras formas de expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de renovado significado para o mundo atual. Na realidade, toda a ação evangelizadora autêntica é sempre ‘nova’” (Papa Francisco, A Alegria do Evangelho, n.11)

Nos próximos artigos iremos revisitar os ritos e símbolos da Iniciação Cristã em seu berço, naquilo que nos for possível, não para repeti-la, mas para que ela nos ajude a “recuperar o frescor originário do Evangelho” em nossa ação evangelizadora. Alguns dos ritos e símbolos nós já encontramos: a “Entrega” (Traditio) e a “Restituição” (Redditio) do Símbolo de Fé (nosso Credo) e da Oração do Senhor (o Pai-Nosso). No último artigo nos deparamos com o Sinal da Cruz. Embora sua origem possa estar na Iniciação, muito cedo se tornou autônomo e onipresente na vida do cristão. É com um rito de assinalação solene que Agostinho, o único que nos dá essa informação, descreve a acolhida dos candidatos ao catecumenato, depois de uma breve instrução, e que o RICA recuperou:

Após dizer tudo isso, deve-se interrogar o candidato se crê em tudo e se deseja observá-lo. Se responder que sim, então deve ser solenemente marcado com o sinal da cruz e ser tratado conforme o costume da Igreja. A respeito do sinal que recebe, seja-lhe bem esclarecido que os sinais das realidades divinas são sensíveis, mas nele honramos as próprias realidades invisíveis; que aquela matéria santificada pela bênção não deve mais ser considerada como coisa comum” (AGOSTINHO, Primeira catequese aos não cristãos, XXVI,50).

        

A assinalação com o sinal da cruz era, para Agostinho, certamente, o centro do rito de Entrada no Catecumenato, mas em sua obra Confissões Agostinho menciona também o sal: “Fui marcado pelo sinal da cruz e recebi o sal divino, apenas saído do seio de minha mãe...” (I,11,17). Nossas fontes sobre os ritos e símbolos são escassas. No século VI, encontramos alguns detalhes que são fornecidos por indicações do Sacramentário Gelasiano, por algumas orações e por uma carta do diácono João da Igreja de Roma que responde a perguntas sobre a iniciação cristã feitas por Senário, um funcionário de Ravena. Se esse diácono, como pensam alguns estudiosos, for o futuro papa João I (523 - 526), esta carta pode ser datada de cerca de 492. Embora esses textos espelhem uma realidade posterior, não indicando mais a diferença entre catecúmeno e eleito, demonstrando que o catecumenato está concentrado unicamente no período quaresmal e a grande presença de crianças, não obstante tudo, eles poderão nos ajudar.

         O estudioso do tema, Victor Saxer, indica o rito de ingresso no catecumenato contendo os seguintes elementos: assinalação na fronte com um sinal da cruz; uma imposição da mão; um exorcismo pronunciado sobre o candidato, acompanhado de uma insuflação (sopro); no fim, lhe é dado um pouco de sal e do “pão de exorcismo” (Les rites d’initiation chrétienne du II au VI siècle).

A mencionada carta do diácono João a Senário nos dá o significado de alguns desses elementos, embora não se possa assegurar que todos desse período os entendam exatamente do mesmo modo. Curiosamente, ele não menciona o sinal da cruz. Talvez porque já fosse de uso comum, mesmo para os não catecúmenos. Sobre o exorcismo com a insuflação, que evoca o sopro de Deus na criação do homem e sobre a bênção com o sal, escreve:

O catecúmeno é exorcizado para que, colocado o demônio em fuga, seja preparado o ingresso do Senhor nosso Jesus Cristo e retirado do poder das trevas, seja transferido no reino da glória da caridade de Deus, de tal modo que aquele que até pouco tempo atrás era vaso de satanás torne-se agora morada do Salvador. (...)

O catecúmeno recebe o sal abençoado, com o qual é assinalado, por que, assim como qualquer carne é conservada temperada com o sal, assim a mente seja preservada pelo sal da sabedoria e da pregação da Palavra de Deus” (Patrologia Latina 59,402).

         Esta liturgia poderia ser de caráter relativamente particular e presidida pelo próprio catequista. Talvez por isso não se encontrem muitas informações. Na liturgia do Oriente não temos descrição. Seus ritos poderiam também ser repetidos ao longo de todo catecumenato.

         Uma vez catecúmeno, participará das celebrações eucarísticas durante a “mesa da Palavra de Deus” (RICA n.90). Este é um período para conformar sua vida ao Evangelho e de aprendizagem do conteúdo da fé cristã. A dimensão catequética acontece sobretudo através das homilias, inicialmente preparadas com muito esmero pelos bispos, como as que conhecemos de Ambrósio, Agostinho ou Cirilo de Jerusalém e, posteriormente, também por sacerdotes. Nos tempos áureos do catecumenato, durava costumeiramente entre dois e três anos.

         À medida que o cristianismo vai se expandindo, o ingresso no catecumenato vai se antecipando e, em muitos casos, sendo protelada a segunda etapa. Muitos deixarão para pedir o batismo no leito de morte. Permanece apenas a etapa quaresmal como Iniciação, mesclando os ritos e símbolos, embora o centro esteja agora no rito da Inscrição do Nome. O RICA, como temos visto, recupera o catecumenato com seu Rito de Entrada.

Artigo de Padre Belini, colunista do Jornal Servindo