Símbolos de Fé origem e desenvolvimento

07 de Março de 2022

"Símbolos de Fé origem e desenvolvimento"

Os Símbolos de Fé são consequência de um desenvolvimento e estabilização da comunidade dos que seguiam Jesus e o seu Evangelho. Possuem, portanto, uma história. E se constituirão como um verdadeiro gênero literário. Eles atestam que a fé cristã é um seguimento da pessoa de Jesus que nos revela o Pai e o Espírito, por isso, é antes de tudo um “crer em”; mas também nos transmitem de forma sintética e lapidar o que significa esse seguimento, como ele se realiza e o que é permitido esperar, se constituindo assim um “crer que”.

Propriamente falando, os Símbolos não pertencem mais às Escrituras, concluídas de uma vez por todas com a morte do último apóstolo. Mas se apresentam com a pretensão de ter autoridade apostólica. E, neste sentido, estão acima dos concílios, que os recebem e atestam. Esta pretensão se justifica pelos Símbolos terem sua origem em fórmulas de fé do Novo Testamento e se desenvolverem até se tornarem Credos complexos e autenticamente eclesiais. Desenvolvimento que aconteceu de forma distinta no Ocidente e no Oriente. Os Símbolos desempenham funções diversas. As duas principais são as confessionais e as doutrinais.

“A função confessional do Símbolo comporta, assim, um tríplice aspecto: primeiro, o compromisso daquele que crê para com Deus no interior de uma estrutura de Aliança, um compromisso que é fruto de um retorno ou conversão. Exprime a seguir, a unanimidade da comunidade reunida na mesma confissão de fé, pois o eu pessoal de cada cristão entra no nós da Igreja. (...) enfim, o serviço do reconhecimento mútuo, tal como a conscientização por cada um de sua verdadeira identidade. O cristão se define por seu Credo: ele o sabe de cor, proclama-o na assembléia litúrgica, pode ter de vir a testemunhá-lo em circunstâncias graves” (Bernard SESBOÜE)

         A função confessional tem seu lugar próprio e principal na liturgia da Igreja. A celebração do batismo vai constituir um lugar privilegiado para a origem dos Símbolos. Durante as perseguições, os cristãos deverão confessar sua fé e sofrer o martírio por ela.

Ligado à liturgia do batismo está o catecumenato. A explicação da fé para os catecúmenos levará a pensar profundamente em seu conteúdo e fixação das fórmulas, produzindo uma versão declarativa do Símbolo que na liturgia batismal é interrogativa. Esta função doutrinal contempla o conteúdo da fé. Com o tempo, esse emprego doutrinal dos termos Confissão ou Símbolo de fé irá se sobrepor ao próprio ato de confessar.

Nas fórmulas breves do Símbolo tudo tem sentido, bem como o modo como estão articuladas. Por isso, tem um caráter normativo, ou seja, exige a obediência de fé. Neste sentido, é um desenvolvimento e expressão privilegiada do que em uma geração anterior ficou conhecido como “regra da fé” ou “regra da verdade”. Fórmulas familiares a autores como Irineu e Tertuliano.

Estas fórmulas têm seu enraizamento nas Escrituras e permitem uma unidade em sua diversidade. Por isso, alguns Padres as apresentam como alternativa para quem não pode ler ou reter de memória as Escrituras. Serão também critérios para interpretar as Escrituras e elaborar teologias. Enquanto confissões de fé que vão se desdobrando no tempo, podemos encontrar seus primórdios já nas Escrituras.

         “A pré-história e a história dos Símbolos são relativamente obscuras e complexas (...) sendo o acontecimento decisivo o ‘casamento’ das fórmulas cristológicas e das formas trinitárias. (...) Um erro de hipótese durante muito tempo levou a crer na existência de um modelo originário único que depois se teria diferenciado, ou de um modelo simples que se teria complexificado progressivamente, quando na verdade o que se produziu foi o contrário: a partir de modelos diferentes, uma evolução cheia de criatividade articulou progressivamente fórmulas diversas entre si e conduziu a uma relativa fixidez” (Bernard SESBOÜE)

 

          O judaísmo já estava alicerçado sobre um credo histórico: Dt 26. No Novo Testamento iremos encontrar confissões de fé que são fórmulas brevíssimas. Segundo John N. D. Kelly, parecem slogans. Em sua origem, poderiam ser aclamações litúrgicas. As três cristológicas principais são: Jesus é o Senhor (Rm 10,9; Fl 2,11; 1Cor 12,3); Jesus é o Cristo (At 18,5,28; 1Jo 2,22) e Jesus é o Filho de Deus (At 8,36-38). Com o tempo essas confissões irão se cristalizar e o título incorporado no nome de Jesus, o que provocará uma perda de sua intensidade afetiva. Um exemplo pode nos ajudar. “Senhor” era um título de referência ao imperador: “César é Senhor”. E com um valor religioso. O cristão, no entanto, proclama o reinado universal de Jesus ressuscitado. Jesus é o Senhor! É uma afronta a César. Durante as perseguições, os cristãos serão obrigados a proclamarem “anátema ao cristo” e “César é o Senhor”. Os que confessarem sua fé no Cristo serão martirizados. Quando hoje pronunciamos Senhor Jesus já não o fazemos com essa carga emocional. Dizer Jesus e Cristo também não é a mesma coisa, embora o pronunciemos indiferentemente. Outras formas de confissão de fé cristológicas que cumpriam uma função querigmática, de anúncio, serão mais desenvolvidas, assumindo uma fórmula narrativa. Um exemplo expressivo encontramos em Paulo:

“Eu vos transmiti, em primeiro lugar, o que eu mesmo recebera: Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Apareceu a Cefas, depois aos doze” (1Cor 15,3-5)

Temos confissões de fé que unem intencionalmente o nome de Deus Pai e de Cristo. São fórmulas binárias, na qual cada pessoa mencionada conserva uma intervenção própria na história da salvação: “... para nós, só há um Deus, o Pai, de quem tudo procede, e para o qual nós vamos, e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual tudo existe e pelo qual nós existimos” (1Cor 8,6). Também encontramos fórmulas binárias em contexto querigmático: “Aquele que ressuscitou dentre os mortos Jesus nosso Senhor” (Rm 4,24).

Embora em menor número, encontramos também fórmulas ternárias, mencionando as três pessoas divinas. Alguns preferem falar em “fórmulas ternárias” porque entendem que trinitárias seria um anacronismo no ambiente neotestamentário. Elas, no entanto, irão desempenhar um papel decisivo na origem dos Credos. Duas fórmulas paulinas são significativas: Ef 4,4-6 e 1Cor 12,4-6: “Há diversidade de dons da graça, mas o Espírito é o mesmo; diversidade de ministério, mas é o mesmo Senhor; diversos modos de ação, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos”. Mas fórmula ternária por excelência procede do âmbito litúrgico batismal e deve ser tardia, posteriormente incorporada como conclusão do Evangelho de Mateus:

“Ide pois; de todas as nações fazei discípulos, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a guardar tudo o que vos ordenei” (Mt 28,19-20)

Como conclusão, podemos afirmar que já no Novo Testamento encontramos muitas fórmulas de confissão de fé e uma variedade de modelos. Elas nos remetem a situações da vida eclesial diferentes e, às vezes, bem detectáveis. A prioridade, sem dúvida, deve ser dada ao contexto batismal, seja em sua liturgia seja em sua preparação. Alguns estudiosos, como Oscar Cullmann, quiseram organizá-las em um desenvolvimento contínuo que teria passado das fórmulas cristológicas às binárias e, por fim, às ternárias. Outros, como Bernard Sesboüe, pensam que essa interpretação seja excessiva e desnecessária. Os modelos e as fórmulas coexistiram sem problemas. Em todo caso, estão na origem dos futuros Símbolos de Fé.



Artigo de Padre Belini, colunista do Jornal Servindo