Confissão e Profissão de Fé

08 de Dezembro de 2021

"Confissão e Profissão de Fé"

No Servindo passado escrevi explicando o uso dos termos Creio, Credo e Símbolo para indicar o conjunto de afirmações breves que expressam nossa fé. Credo é a primeira palavra que nomeia o todo, mas em latim e significa, portanto, Creio. Já Símbolo tem uma história mais complicada e incerta. Em todo caso, indica a união de elementos que identificam pessoas ou comunidades; bem como senha ou pacto. Aplicado ao nosso tema, expressa as verdades de fé que identificam os cristãos em si e eles à Igreja. O Catecismo da Igreja Católica explica assim a expressão Símbolo de Fé:

“A palavra grega ‘symbolon’ significava a metade de um objeto quebrado (por exemplo um sinete) que era apresentado como um sinal de reconhecimento. As partes quebradas eram juntadas para se verificar a identidade do portador. O ‘símbolo da fé’ é, pois, um sinal de reconhecimento e de comunhão entre os crentes. ‘Symbolon’ passa em seguida a significar coletânea, coleção, ou sumário. O ‘símbolo da fé’ é a coletânea das principais verdades da fé. Daí o fato de ele servir como ponto de referência primeiro e fundamental da catequese” (Catecismo, n.188)

         Existem ainda duas expressões interessantes que utilizamos para nomear estas fórmulas breves e normativas para todos. Os nossos livros litúrgicos de celebração eucarística as indicam como Profissão de Fé. Também o Catecismo afirma: “Estas sínteses da fé chamam-se ‘profissões de fé’, pois resumem a fé que os cristãos professam” (n.187). A segunda é Confissão de Fé. Tanto confessar como professar pode ser entendido como testemunhar, declarar, afirmar, manifestar. Sendo assim, o sentido básico de confissão ou profissão de fé é a declaração do que se crê, a manifestação exterior da fé. Vejamos a história, origem e desenvolvimento, e o porquê destas duas expressões, que é já um modo de entender o que estamos trabalhando.

         Confissão ou profissão tem sua raiz última no termo utilizado pelo Novo Testamento homologia (no grego transliterado, ou seja, com nossas letras; literalmente: que exprime o acordo mútuo). Seu sentido original indicava o ato pessoal da aceitação da palavra e da decisão pela fé, como nas fórmulas que encontramos em 1Cor 12,3 e em Fl 2,11: “toda língua confesse para a glória de Deus Pai: Jesus Cristo é o Senhor”. Neste sentido, a confissão está constantemente presente na comunidade e adquire importância ainda maior em alguns momentos, como em 1Tm 6,12, quando faz referência ao batismo ou ordenação de Timóteo: “Combate o nobre combate da fé. Apega-te à vida eterna, para a qual foste chamado quando fizeste tua nobre profissão diante de muitas testemunhas”. Logo passará a indicar o testemunho público que consiste na proclamação da fé. Fé em uma pessoa: na pessoa histórica de Jesus, ressuscitado e Senhor.

“Aquele que me confessar (homologesei) diante dos homens, eu o confessarei (homologeso) diante do meu Pai do céu. Aquele que me renegar diante dos homens, eu o renegarei diante do meu Pai do céu” (Mt 10,32-33; cf. Lc 12,8; trad. Bíblia do Peregrino)

         A confissão irá adquirir uma nova função quando, como confissão verdadeira, desmascara e rejeita algum erro doutrinal. A Primeira Carta de João nos coloca frente a esta situação: “Quem nega o Filho não aceita o Pai, quem confessa o Filho aceita o Pai” (1Jo 2,23); “Nisto reconhecereis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne mortal, vem de Deus; todo espírito que não confessa Jesus não vem de Deus, mas do Anticristo” (1Jo 3,2-3).

         Nas citações que fizemos, a palavra que traduz homologia é confissão. Mas isso dependerá da tradução para o português. Estou propositalmente utilizando a Bíblia do Peregrino por essa razão. Outras traduções utilizam outras palavras equivalentes.

A palavra confissão ou o verbo confessar teve origem com Tertuliano. Ele a criou para indicar aquele cristão que se declara frente ao perseguidor, testemunhando sua fé e, por isso, sofrendo o martírio. A língua latina de Tertuliano influenciou todas as nossas línguas atuais, chamadas justamente de neolatinas.  Em sua obra De Corona Militis (“A coroa militar”), do ano 211, Tertuliano enfrenta a questão do testemunho que leva à condenação à morte. A palavra era mártir ou martírio, mas já tinha sido mais identificada com a própria execução e morte do que com o próprio “testemunho” da fé pela declaração. Essa perda de significado se acentuava ainda mais quando usada a palavra martírio em sua tradução para o latim. Por isso, Tertuliano expressa com clareza essa dupla significação de uma mesma situação: o testemunho como declaração de fé (mais bem expresso com o termo confissão) e o testemunho como a doação da vida (mais identificado com o martírio). Com Cipriano, discípulo de Tertuliano, esses dois termos latinos irão se tornar autônomos.

         Mais tarde, quando já encontramos Símbolos de Fé prontos e estáveis, entre os séculos IV e V, a palavra latina confessio (“confissão”), já popularizada, será empregada para expressar o ato de profissão de fé e, embora raramente, para expressar o conteúdo dessa confissão. A partir do século XVI, com a reforma protestante, em que pela primeira vez se constitui uma comunidade religiosa sobre a base de uma confissão de fé, essa expressão irá passar a indicar predominantemente o conteúdo da fé.

         Outro significado da palavra confissão era a declaração pública dos pecados: confissão dos pecados. Este uso também está ligado à palavra grega do Novo Testamento homologia (no caso, exhomologia). Desde Tertuliano se converte em termo técnico para indicar todo o processo penitencial realizado pela Igreja e pelo fiel pecador. Na Idade Média, com uma transformação que não podemos detalhar aqui, a recepção da penitência se torna mais frequente (não mais pública e única, mas comum e auricular), indicando com a palavra confissão toda a ação e o sacerdote que age em nome da comunidade eclesial como confessor.

         A palavra profissão indicava, em sua origem, o juramento de fidelidade proferido por alguém que prestaria um serviço importante para a comunidade: serviço religioso, militar, médico. A palavra latina sacramentum (sacramento) indicava justamente esse juramento na área militar (algo como o nosso juramento à Bandeira e à Pátria). Será novamente Tertuliano quem tornará a palavra sacramento termo técnico da teologia cristã. Com o tempo, a palavra profissão passou a indicar todo serviço especializado. Interessante notar que ainda se mantém, nas formaturas, um juramento de fidelidade ética na atividade profissional para a qual se preparou e que irá desenvolver. Em outras palavras, o formando declara que exercerá suas atividades dentro do previsto em seu código de ética profissional. Aplicado ao nosso tema, a profissão de fé indica essa declaração de fidelidade às verdades em que crê e que comprometem o seu agir.

         Em síntese, tanto confissão de fé quanto profissão de fé indicam a declaração, o testemunho do que se crê. Por questões de desenvolvimento histórico, atualmente, quando fazemos alguma distinção entre essas duas expressões, a confissão expressa mais o conteúdo em que se crê, ou seja, o aspecto material. Já a profissão expressa melhor a declaração, ou seja, o aspecto formal.

A profissão de fé é sempre algo pessoal (Eu Creio), mas que acontece eclesialmente (Nós Cremos).

Exige transmissão e aceitação. Confessar é “afirmar a fé em conjunto”. Declaramos-nos integrados em uma comunidade que compartilha a mesma fé, expressa em suas dimensões de compromisso, vivência comunitária e pública.



Artigo de Padre Belini, colunista do Jornal Servindo